sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Temporão critica previsão orçamentária à saúde e diz que situação continua crônica.

Gabriela Guerreiroda Folha Online, em Brasília.
O ministro José Gomes Temporão (Saúde) disse nesta quinta-feira que as previsões orçamentárias para a área da saúde em 2010 são as "piores possíveis", uma vez que a correção dos recursos destinados para o ministério estão atreladas ao crescimento econômico do país --que não deve atingir este ano os números esperados pelo governo. O ministro disse que a situação da saúde no país continua "crônica" no que diz respeito a melhorias no tratamento e atendimento à população."A situação do financiamento da saúde continua crônica do ponto de vista da falta de uma sustentabilidade econômico/financeira de longo prazo que lhe permita incorporar novos procedimentos, novos medicamentos, ampliar centros de tratamentos especializados, ampliar o Saúde da Família, que hoje cobre 100 milhões de brasileiros, mas o ideal é que tivéssemos um cobertura de toda população", disse.
Na opinião do ministro, como o país deve registrar um crescimento abaixo do esperado este ano, o orçamento da saúde sofrerá impactos em 2010. "As previsões para o ano que vem são as piores possíveis porque como a correção do Ministério da Saúde é pela variação nominal do PIB [Produto Interno Bruto] e, evidentemente, neste ano vamos ter um crescimento econômico abaixo do que a média dos últimos anos. A correção do Orçamento eu estimo que será no mínimo a metade do que a média histórica dos últimos 6, 7 anos", disse.Temporão estima em R$ 55 bilhões o orçamento do Ministério da Saúde em 2010, valor que, segundo o ministro, é insuficiente para o setor. "Pode parecer um volume expressivo, mas quando você divide por cada um dos 190 milhões de brasileiros isso dá quase um terço per capita do que as famílias que tem plano de saúde gastam para proteger suas famílias."Diante do esperado baixo orçamento, Temporão disse que o governo vai priorizar as áreas mais "críticas" da saúde, sem comprometer o atendimento à população de baixa renda. "É claro que se a situação se configurar como parece que está se configurando vamos ter que definir prioridades e destinar recursos para áreas mais críticas, mais agudas onde o atendimento à população não pode de maneira nenhuma ser comprometido", afirmou.
O ministro disse que houve "grande melhoria" na cobertura do SUS (Sistema Único de Saúde), se comparado com os números registrados no início da década de 90, mas afirmou que o padrão de vida moderno da população apresenta novos desafios para o sistema. "É um programa que tem muitos pontos fortes, cresceu e se qualificou, mas que apresenta, também, grandes fragilidades. Tempo de espera por exames especializados, tempo de espera por cirurgias, as condições de acolhimento em situações de urgência e emergência que em alguns lugares ainda deixam a desejar, mas estamos enfrentando esses desafios", afirmou.
Temporão participa de debate nesta quinta-feira na CAS (Comissão de Assuntos Sociais) do Senado para discutir o SUS.

domingo, 22 de novembro de 2009

Manifesto em Defesa do Direitos Sociais Básicos sob ameaça na Reforma Tributária

As entidades signatárias vêm a público manifestar sua preocupação com as ameaças ao ordenamento e financiamento dos direitos sociais da Constituição de 1988, particularmente sobre a Seguridade Social, contidas na proposta de Reforma Tributária (PEC 233/08), originária do Governo Federal, ora em tramitação na Câmara dos Deputados. A preocupação dessas entidades representativas da sociedade civil, das organizações populares, dos movimentos sociais e dos sindicatos de trabalhadores é sobre a necessidade de esclarecer e de difundir as implicações sociais e políticas dessa reforma. Este enfoque rompe com uma visão voltada para os interesses dos grandes grupos empresariais e financeiros que até agora impera nesse debate.

A proposta de reforma tributária traz graves conseqüências ao financiamento das políticas sociais no Brasil, ameaçando de forma substancial as fontes exclusivas que dão suporte às políticas da Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência Social), Educação e Trabalho. Em 2009, essas contribuições sociais, que serão extintas, deverão arrecadar R$ 235 bilhões. Estão em jogo as fontes de custeio, como também as prioridades para aplicação desses recursos: a garantia dos direitos sociais no Brasil ou os grandes interesses econômicos, especialmente o pagamento de juros e encargos da dívida. Particularmente nas áreas da Seguridade Social, o Projeto de Reforma (oriundo do Executivo e já aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados) prejudicará ainda mais, em termos quantitativos e qualitativos, a capacidade de atendimento do Sistema Único de Saúde nas suas múltiplas funções (vigilância sanitária, consultas, internações, vacinações etc.); afetará diretamente a vida de 26 milhões de titulares de benefícios pagos pelo INSS (Previdência e Assistência Social) e de cerca de 6 milhões de trabalhadores que recebem o Seguro Desemprego. Além desses credores de direitos protegidos pela Constituição (cujo piso de benefícios é de um salário mínimo), também são afetados os recursos das 11 milhões de famílias que participam do “Bolsa Família”. Em seu conjunto, são dezenas de milhões de pessoas que recebem até um salário mínimo com esses benefícios. A proposta de reforma inviabilizará qualquer expansão dos programas de Saúde, de Previdência ou de Assistência Social, comprometendo igualmente qualquer projeto de sociedade, social e economicamente mais justo.

Esse projeto, se aprovado na forma atual, subtrai recursos e quebra salvaguardas constitucionais de benefícios e programas sociais e serviços públicos, atualmente protegidos pelo art. 195 da Constituição Federal de 1988. Desconstruída a capacidade de financiamento da Seguridade Social, desmoronam a construção e a efetividade de direitos declarados em várias partes do texto constitucional. O modelo de Seguridade Social construído a partir da Constituição de 1988 garante recursos e oferece outras salvaguardas para assegurar os direitos à Saúde, Previdência, Assistência Social e Seguro Desemprego. E, mesmo depois de várias reformas, ainda hoje preserva um fundamento básico: a prioridade para atender a demanda legítima por direitos sociais já regulamentados, requeridos pelos cidadãos. Isto se faz por meio de garantias orçamentárias, com recursos exclusivos e vinculados. Esse foi um compromisso social construído em 1988, para resgatar os princípios de equidade e de justiça social, subjacentes à idéia de cidadania, com proteção social aos mais pobres.

Com a filosofia da Emenda da Reforma Tributária, que se explicita claramente nessa nova versão do Art. 195, desaparecem as garantias e salvaguardas de proteção aos pobres e de busca da igualdade. Os recursos anteriormente reservados a essa finalidade são remetidos à competição entre setores sociais com peso e poder econômicos substancialmente maiores que os “órfãos, viúvas, desempregados, idosos e incapacitados para o trabalho”, credores preferenciais de todos os sistemas de proteção social no mundo moderno. O projeto de reforma, sob o manto da simplificação tributária, extingue as contribuições sociais e incorpora esses recursos a impostos. A Seguridade Social perderia essas fontes vinculadas e de uso exclusivo, em troca da receita de uma fração da arrecadação desses novos impostos. Assim, as políticas sociais deixariam de contar com recursos exclusivos e passariam a disputar no bolo do orçamento fiscal recursos com os governadores e prefeitos, Forças Armadas e dos Poderes, enfrentando ainda forte pressão de setores empresariais pelo aumento dos gastos com investimentos em infra-estrutura ou por maior desoneração tributária. Além disso, 1/3 do orçamento fiscal é destinado ao pagamento de juros e amortização da dívida, que não passa por qualquer auditoria. Sem as contribuições sociais a prioridade de praticamente todos os gastos públicos fica nivelada. Não se pode tratar igualmente os desiguais, nem submeter todas as políticas ao jugo predominante dos interesses financeiros.

O constituinte, pela sua visão em prol da cidadania e da proteção social, criou o Orçamento da Seguridade Social. Financiado principalmente com as contribuições sociais, conta com recursos e capacidade de responder tempestivamente aos atuais direitos relativos à Saúde, Assistência e Previdência e ainda às pressões da demanda futura. Isto porque essas contribuições possuem vantagens e garantias que não estão presentes nos impostos. Todas essas vantagens se perderão.
Hoje, por exemplo, se decidíssemos melhorar a Saúde ou ampliar o Seguro Desemprego, fazer inclusão previdenciária ou expandir o Programa “Bolsa Família” teríamos os recursos arrecadados pelas contribuições sociais, de uso exclusivo para esse fim. Se aprovada a reforma, os níveis de recursos estariam congelados, independentemente da demanda por direitos ou melhoria dos serviços. Diante do atual quadro de injustiça social não se pode fazer tal opção. Como consequência da aprovação dessa reforma, aparecerão muitos elementos ruinosos aos direitos sociais, valendo citar: a) ao ficar dependendo de recursos de impostos, a Seguridade perde a possibilidade de rápida atenção às demandas (pois ao contrário das contribuições sociais, os impostos somente podem ser implementados ou majorados para o exercício seguinte); b) a fragilidade jurídica da reforma não garante a primazia dos direitos sociais; c) a manutenção de mecanismos de desvinculação de recursos: somente a DRU (Desvinculação de Recursos da União) subtraiu 39 bilhões de reais da Seguridade Social em 2008, para garantir a meta de auperávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida; d) com a perda dos recursos das contribuições, a Seguridade, hoje auto-suficiente, passará a depender de repasses do Orçamento Fiscal, dando razão aos que falsamente propagam o seu déficit, subterfúgio para justificar reformas restritivas de direitos. Há outros efeitos da reforma igualmente prejudiciais: No que se refere à desoneração da folha de salários, por meio da redução da contribuição patronal para a Previdência Social, estimativas do Ministério da Fazenda indicam perda de cerca de R$ 24 bilhões nas receitas previdenciárias. Mesmo que o Orçamento da União supra essa perda, isto certamente fortalecerá o falso argumento de “déficit da Previdência”. Ocorre ainda a diminuição da tributação sobre o lucro dos bancos, que não estarão mais submetidos às alíquotas da contribuição sobre o lucro, maiores
para o setor financeiro - o projeto incorpora essa contribuição ao imposto de renda, que não admite diferenciação por setor econômico. Reconhecemos que a proposta de reforma tributária contém alguns objetivos positivos; mas permeada como está do joio de vícios que colocam em risco os direitos sociais, especialmente dos pobres, essa proposta requer madura reflexão da sociedade, do Congresso e do próprio Executivo que a gestou. Por todas essas razões, entendemos que o Projeto não pode tramitar nem deve ser submetido a voto, sem os esclarecimentos e correções necessários. Conclamamos toda a sociedade e, em especial, o Parlamento brasileiro para essa discussão.

sábado, 21 de novembro de 2009

Composição dos Conselhos de Saúde: Quem são os usuários? Profissionais de Saúde? Prestadores ? Governo ?

Gilson Carvalho[1]

O texto transcrito abaixo, foi extraído de meu livro Participação da Comunidade na Saúde lançado em 2007 na XIIIa Conferência Nacional de Saúde. Este livro representa a coletânea de textos que discuto há mais de 20 anos em conferências, palestras e cursos. Estou divulgando um trecho em separado, para ajudar a subsidiar o debate no momento em que se renova o Conselho Nacional de Saúde. Entre todos os pontos existem alguns mais polêmicos como:

1) a polêmica do rodízio na presidência do Conselho Nacional de Saúde sem reeleições repetidas da mesma pessoa (Não pela pessoa, mas pela MESMA!), sem salvadores da pátria, cidadãos insubstituíveis e nem o pretexto do medo de retroceder e no mínimo seguindo o principio republicano do Brasil de só se permitir um segundo mandato (sou visceralmente contra qualquer reeleição, mas CF da RFB assim o permite);

2) a polêmica da presença obrigatória de no mínimo trabalhadores, empregadores e aposentados entre a representação dos cidadãos usuários (CF 194);

3) a polêmica da independência da presença do governo como componente nato (CF 194) inconfundível com o componente dos prestadores (Lei 8142) (governo é governo e prestador é prestador), sendo que aquela é constitucional e esta apenas legal;

4) finalmente a polêmica da representação do usuário que, por princípio jurídico, tem que ser independente dos demais componentes do conselho que compõem os outros 50%.

Transcrevo parte de meu livro abaixo justamente trazendo a tona esta discussão sobre quem são os legítimos representantes dos cidadãos usuários. Desde os anos 90 discuto com grupos de conselheiros que o legislador, ao conferir o direito de 50% de usuários no conselho quis efetivamente separá-los dos demais segmentos. É um princípio raso da lógica: não se pode fazer categorização se as categorias não forem mutuamente excludentes. Se todos pudessem representar os usuários (pois todos assim permanecemos desde o sempre como cidadãos) não precisaria haver esta separação. A impossibilidade de que alguém que seja governo, profissional ou prestador ocupe o lugar do cidadão usuário é principiológica em direito. Pior: é uma questão de moral e ética. Ouço há vinte anos profissionais de saúde defenderem, por interesse próprio para usurpar a vaga do usuário, que a responsabilidade de indicar seu representante é das entidades e não pode ter regra nenhuma. Continuo concordando que falem e discordando do que falam. Tem que ter regras como tem com os partidos políticos para indicarem seus candidatos (condições pessoais: idade, nacionalidade, folha corrida, tempo de filiação etc. etc) quantos candidatos impugnados antes da eleição e mesmo depois dela. Podem existir pessoas que discordem disto (por qualquer interesse) mas a posição de não contaminação que adoto é sem interesses e já foi transformada em lei no Estado de São Paulo, desde 1995 por projeto do Deputado médico Roberto Gouveia, PT-SP, e sanção do governador Covas, PSDB. Eis o artigo 68 da Lei 791, Código de Saúde de São Paulo: “para garantir a legitimidade de representação paritária dos usuários, é vedada a escolha de representante dos usuários que tenha vínculo, dependência econômica e comunhão de interesse com quaisquer dos representantes dos demais segmentos do conselho.”

Para ilustrar imaginem cada entidade podendo indicar quem quer que fosse, independente de regras, para ser seu representante: o prefeito colocando em cada entidade o seu representante via correligionários, parentes etc; os profissionais, se colocando em cada entidade como a pessoa mais entendida em saúde e seu representante natural; os prestadores colocando seus funcionários em cada entidade!!!

Concluo afirmando que nunca vi nenhum cidadão usuário (não profissional, não prestador, não governo) defender a livre indicação de qualquer um. Esta postura histórica não tem sido dos detentores do direito, mas em geral de usurpadores que se posam de bonzinhos perante os usuários com frases típicas como: “Vou representar você pois conheço tudo de saúde e vou defender seus interesses direitinho, com muito mais propriedade que você pois eu entendo e só eu posso manter os avanços da participação da comunidade!” Tenho ainda dúvida sobre a quem se refere este “seus” aí colocado no meio da frase. Democracia sim, tutelagem de supostos incapazes e despreparados, não!
Se nenhum argumento de entendimento à luz da democracia, da real participação do cidadão, estiver sendo aceito, lamentavelmente, vou apelar pelo Art. 37 da CF onde categoricamente se afirma o princípio da moralidade que tem que perpassar por toda a administração pública. O Conselho de Saúde, em qualquer das esferas de governo, não é ponto com, nem ponto org, mas, ponto gov! AFINAL, UMA POLÍTICA DE ESTADO!
EXTRAÍDO DO LIVRO PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA SAÚDE PAG. 59 A PAG. 75 DE GILSON CARVALHO, DISPONÍVEL CÓPIA NA ÍNTEGRA NO SITE www.idisa.org.br

“OS MEMBROS NATOS DO CONSELHO DE SAÚDE
Quem são os membros natos do Conselho de Saúde? Temos que buscar os fundamentos legais:
“É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores.” (CF - Art. 10).
“Gestão quadripartite: com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados.” (CF - 194, VII).
“Representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários... A representação dos usuários será paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos.” (Lei 8.142/90 – Art. 1, § 2).
Destes textos legais se conclui que não possa deixar de existir nos conselhos:
a) Usuários nos quais estariam obrigatoriamente os trabalhadores, empregadores, aposentados;
b) Governo
c) Prestadores de serviços
d) Trabalhadores e profissionais da saúde

QUEM SÃO OS LEGÍTIMOS REPRESENTANTES DOS USUÁRIOS?

Um questionamento permanente a mim feito é sobre quem pode ser considerado um legítimo usuário na composição dos Conselhos de Saúde. Existe muita confusão a respeito. Umas de boa fé, pois existem controvérsias e outras de má fé, aproveitando-se das controvérsias.
Vamos raciocinar a partir de alguns questionamentos e sofismas correntes.
· O Prefeito é um legítimo usuário dos serviços de saúde? -Sim. Então ele pode sentar-se na bancada dos usuários com a maior das legitimidades pois ele teve a votação majoritária para ser prefeito?!!! Foi o mais votado com a fiscalização dos tribunais eleitorais. Ele pode ser escolhido como representante dos usuários? E o Vice? Os assessores do Prefeito ? A primeira dama? Todos são ou não usuários dos serviços de saúde? Os vereadores no caso já representam a população. Foram eleitos nos rigores da lei. Podem ser os representantes dos usuários nos serviços de saúde?
· Os prestadores de serviços de saúde, donos e gestores de hospitais públicos e privados - lucrativos e filantrópicos - podem se assentar na bancada dos usuários dos serviços de saúde?
· Os servidores públicos em geral e os de saúde, sindicalizados ou não, podem tomar assento na bancada de usuários? São usuários, afinal: moram nos bairros, pertencem a sociedades, medicam-se nos serviços de saúde!!!

Todos estes: prefeito, vereadores, donos de hospitais e servidores públicos da saúde, somo todos usuários. Ou não somos todos nós cidadãos usuários dos serviços de saúde? Incontestável e insofismavelmente.
Entretanto, não estamos aqui falando da condição comum de todos nós, mas da condição intrinsecamente ligada à composição de um Conselho Público (Saúde, Educação, Meio Ambiente, Segurança etc. etc) que obedece regras definidas por lei. E, se não definidas explicitamente na letra da lei, no seu espírito e jurisprudência existe um entendimento claríssimo de que esta seja a leitura.
Em relação ao Conselho de Saúde (Nacional, Estadual e Municipal) quando a Lei 8142 definiu que deve haver paridade entre o segmento dos usuários em relação aos demais, fez aí uma regra explícita de que um lado não podia se confundir com o outro, para que não se quebrasse a paridade, colocada como imprescindível e essencial. A paridade foi colocada como essência e destacada num parágrafo: “paridade entre o segmento dos usuários e o conjunto dos demais segmentos”.
Se a paridade é colocada como essência ela não pode ser quebrada. Seria ilegal e imoral que o prefeito, vereadores, gestores de hospital (públicos e privados), servidores públicos e trabalhadores de saúde (públicos e privados) ocupem assento no Conselho como usuários dos serviços de saúde. Por quê ? Qualquer um destes segmentos tem um assento próprio, específico, reservado no conselho e não poderia ter uma dupla categorização pois elas devem ser mutuamente excludentes. No caso de Vereador a justificativa é o fato de ele ter assento no legislativo, cumprindo seu papel entre outros, o de controlar e fiscalizar o executivo, devendo ser garantida a independência dos poderes.
Quem tem assento próprio não pode ocupar o assento comum de usuário que é condição comum de todos. Isto quebraria com a paridade colocada como condição essencial na Lei 8142..
Aqui temos a maior polêmica. Historicamente os segmentos mais fortes, com mais poder de manipulação (quem tem mais informação usa-a, muitas vezes, para dominar a seu favor e não pelo objetivo do coletivo!). É fácil o Governo querer incluir entre os representantes dos cidadãos usuários, pessoas da comunidade que estejam do lado dos governos. Profissionais de saúde e prestadores também querem infiltrar seus membros ou pessoas ligadas a eles neste segmento. Sabemos que todos nós somos usuários e seus legítimos representantes. Entretanto, existe uma exceção lógica que se fundamenta na ética. Se o Conselho tem que manter a paridade entre o segmento de usuários em relação ao conjunto dos outros três segmentos (governo, prestadores, profissionais) isto se justifica na necessidade de se manter o equilíbrio entre as duas partes. Se um segmento se infiltra dentro dos demais, automaticamente perde-se a independência das partes e consequentemente perde-se a paridade.
Por uma questão de princípio ético não se poderia ter entre os usuários pessoas que tenham ligação ou dependam dos outros três segmentos. Isto valeria para todo o Brasil. Entretanto, o Estado de São Paulo desde 1995, por seu Código de Saúde (Lei 791-95) definiu, de forma clara, a ilegalidade de determinadas representação em meio aos usuários.
“PARA GARANTIR A LEGITIMIDADE DE REPRESENTAÇÃO PARITÁRIA DOS USUÁRIOS, É VEDADA A ESCOLHA DE REPRESENTANTE DOS USUÁRIOS QUE TENHA VÍNCULO, DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E COMUNHÃO DE INTERESSE COM QUAISQUER DOS REPRESENTANTES DOS DEMAIS SEGMENTOS DO CONSELHO” - CÓDIGO DE SAÚDE-SP-68
Vamos clarear estes conceitos pelo Dicionário HOUAISS.
VÍNCULO = o que liga duas ou mais pessoas; ... regulada por normas jurídicas;
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA = subordinação econômica; sustento de uma pessoa ou de qualquer forma de autoridade, governo, liderança;
COMUNHÃO DE INTERESSE = comunhão: co-participação, união, ligação, associação, relação de sociedade; de interesse: importância, vantagem, utilidade: moral, material, social.
No Estado de São Paulo, por força de lei e no Brasil, atendendo à ética, seria ilegal ou antiético que representasse usuários:
PESSOAS LIGADAS AO GOVERNO: prefeito, secretários, cargos em comissão, qualquer funcionário público e seus respectivos parentes diretos;
PESSOAS LIGADAS AOS PRESTADORES: presidente, membros da diretoria e conselhos ou qualquer representante ou indicado e seus parentes diretos de toda e qualquer entidade conveniada-contratada com a prefeitura e seus empregados;
PESSOAS LIGADAS AOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE: os profissionais e seus parentes ou funcionários.
Existe um pretexto normalmente usado, às vezes pela parte que quer ser indicada, e outras pelos que querem indicá-la: “vamos escolher fulano, porque ele já é da área de saúde e sabe melhor estas coisas que nós não entendemos”! E lá vai, mais uma vez, convicto e convencido, o profissional de saúde representando o cidadão usuário na bancada destinada exclusivamente aos usuários. Agora sim quebrando física e filosoficamente a paridade . E, retardando o processo de democratização do saber, que, principalmente na área de saúde, é essencial a cada um de nós.
O ponto seguinte é a escolha de quem deverá representar os cidadãos usuários em cada município, estado ou no âmbito nacional. As determinações nacionais estão no Art.194 da CF e na Lei 8142.
A CF determina que os Conselhos no âmbito da Seguridade Social tenham a representação de “ trabalhadores, empregadores, aposentados e governo”. Na Lei 8142 são colocados como membros dos Conselhos: Governo, Prestadores, Profissionais e Usuários.
Combinando-se CF e Lei são obrigatórias as representações entre os usuários de: trabalhadores, empregadores, aposentados e governo.
Além destes três segmentos obrigatórios quais outros devem estar representados nos Conselhos de Saúde? Cada cidade ou estado vai definir isto conforme as circunstâncias de tempo e lugar.
A definição de outros possíveis segmentos representantes de usuários, além destes obrigatórios (trabalhadores, empregadores e aposentados) deve estar descrita em lei. Os segmentos mais usuais são de representantes de: doentes e portadores de deficiência, associações de moradores, clubes de serviços, confissões religiosas, movimentos populares de saúde e outros. As entidades representativas destes segmentos podem ser definidas no regimento interno e modificadas periodicamente mediante análise da representatividade destas organizações no cenário nacional, estadual ou municipal.
Desaconselho que se definam em lei as entidades. A lei define, quando muito os segmentos ou nem mesmo eles. O detalhamento fica por conta de decisões constantes no Regimento Interno, definidas no Conselho (que deve aprovar seu regimento) e levando em consideração decisões das Conferências de Saúde.
A participação no Conselho deve ser vista como de relevância pública. Os seus membros devem defender o coletivo e não suas corporações: de governo, de gestor, de profissionais, de prestadores. Todos aqueles abnegados que estão ávidos por participar devem buscar seus lugares como conselheiros. Nem todos poderão ser conselheiros mas existe um enorme espaço de participação, em várias possíveis comissões ligadas ao Conselho e que não precisam ser compostas exclusivamente de conselheiros. Além disto tem o espaço maior ainda de apoio aos conselheiros que pode e deve ser feito por qualquer cidadão.

A OBRIGATORIEDADE DA PRESENÇA DE EMPREGADORES, EMPREGADOS E APOSENTADOS NO SEGMENTO DE USUÁRIOS.

Outra polêmica boba e discriminatória foi a deliberação da Xa. Conferência Nacional de Saúde que proibiu a presença entre os usuários de representantes de entidades patronais, Lions e Rotary. Vamos ao primeiro grupo nominado: representantes de entidades patronais ( os patrões, os empregadores, os empresários). A Constituição Federal em seu artigo 194 fala do “caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo, nos órgãos colegiados”. A 8142 não nominou em particular nenhum segmento. Falou genericamente em governo, profissionais, prestadores e usuários. A única nominação é da CF: trabalhadores, empregadores, aposentados e governo. Isto quer dizer que no Conselho de Saúde onde não estiverem empregadores, trabalhadores e aposentados e governo este conselho é inconstitucional. Por que e sob que interesses, induziram a plenária da Xª a deliberar algo inconstitucional e portanto, sem a mínima validade?!
Quanto aos dois outros segmentos escorchados do Conselho (Lions e Rotary) foi uma discriminação odiosa, fascista, sob dois aspectos: no gênero existem dezenas de outras entidades e apenas elas foram mencionadas e ninguém pode , em nosso país democrático com possibilidade de criação de qualquer tipo de entidade, nos termos da lei, determinar que elas não possam ser representativas de seus associados.
Por que razão levantar estas questões novamente? Simples o seu efeito continua de pé em muitos municípios e estados brasileiros que negam a presença de empresários e de clubes de serviços em seus conselhos. Efeito inercial prolongado.

SERVIDORES PÚBLICOS DA MESMA ESFERA DE GOVERNO DO CONSELHO, NÃO PODEM ASSUMIR VAGAS DE USUÁRIOS

Outra questão extremamente polêmica é em relação á presença de funcionários públicos de qualquer área representando a comunidade no segmento dos cidadãos usuários em qualquer dos Conselhos PÚBLICOS, criados por lei, parte do poder público estatal (União, Estados ou Municípios).
O SERVIDOR PÚBLICO da esfera de Governo em que se localiza o Conselho, no meu entendimento, não pode e não deve representar cidadãos usuários.
No Estado de São Paulo, como demonstrado acima, isto é de lei e está claro por demais. Não depende de meu entendimento. O servidor público, da mesma esfera de governo do Conselho, ele tem vínculo, dependência econômica e comunhão de interesses com o Governo daquela esfera. Está impedido pelo art. 68 do Código de Saúde de São Paulo. Uma questão de ética expressa em lei. Sai do terreno apenas ético e até subjetivo para uma determinação legal objetiva.
Aqui existe uma polêmica geral e outra menor decorrente dela. São polêmicas dissipadoras de energia que poderia ser canalizada para melhor funcionamento dos próprios Conselhos.
A grande polêmica, de onde se deriva a seguinte, é que existem pessoas e setores corporativos defendendo a presença de todo e qualquer cidadão em qualquer posição desde que legitimamente indicado pelo seu segmento. Dizem e defendem: “O processo de legítima escolha, legitima as pessoas!!! Se o segmento dos usuários quiser escolher o esposo da prefeita, a esposa do vereador, o presidente do partido do prefeito, o dono do hospital privado, o presidente da câmara etc. ele estará escolhido. Tem que ser aceito. O segmento fica totalmente autônomo.” Considero que isto é um reducionismo democrático que rompe com o estado de direito em que vivemos. Existem regras já estabelecidas ou pela ética ou pelo direito positivo, como é o caso de São Paulo que limita oficialmente quem possa representar os usuários. Diz claramente: não pode representar usuários quem tenha vínculo, dependência econômica ou comunhão de interesses com algum dos outros três segmentos: governo, prestadores, profissionais.
A polêmica seguinte refere-se a um desdobramento disto. Já que quem legitima é o processo de escolha e não a ética e a lei que regem os elegíveis, corporações como a de servidores públicos que não são da saúde (ou mesmo da área de saúde) buscam com avidez um espaço no segmento do usuário. Existem servidores que teimam em representar os usuários usando para isto algum dos muitos artifícios de dupla representação. Entram no segmento de usuários como representantes de bairro, dos doentes ou portadores de deficiências, dos sindicatos patronais ou de trabalhadores etc. etc. Lamento que isto continue ocorrendo.
Sempre comentam, estes servidores públicos e seus sindicatos, que são militantes e têm consciência e prática de não se deixarem cooptar pela ideologia dos governos que representam. Não tenho dúvida e até posso achar que esta independência ocorra com a maioria, mas não se pode correr o risco de descumprir a lei e deixar um Conselho manipulado pelo dirigente de Governo. Existem outros entraves pois a “contaminação” deste servidor público, galgado à condição única de cidadão usuário (ele tem as duas: cidadão e servidor!) pode se dar, em geral por comunhão de interesse com outros servidores públicos que representam os profissionais de saúde.
Os servidores públicos têm algumas vantagens e algumas desvantagens por sê-lo. Por exemplo, na maioria dos estatutos de servidores públicos é vedada “a participação em gerência de empresa privada, de sociedade civil ou exercer o comércio”. Pode-se questionar: “O servidor é cidadão e todo cidadão pode ter atividade comercial! Ninguém poderia impedi-lo, funcionário público, de ter qualquer atividade fora de seu horário de trabalho”. Não se trata de entendimentos e vontades. São questões legais sob a justificativa de possível conflito de interesses.
A presença de qualquer servidor público, da mesma esfera de governo, em conselhos públicos, como representante dos cidadãos usuários é proibida por lei no Estado de São Paulo e em todo o Brasil é um imperativo ético insofismável.
Lamento, por primeiro, pelo lado ético que deveria ser soberano e aí valeria para todo o Brasil. Lamento também pelo lado da história da saúde que lutou pelo estado de direito. Que lutou pela preservação dos direitos dos usuários. Que fez tudo para impulsionar as pessoas a assumirem seu papel de sujeito. Que defendeu a autonomia das pessoas. Agora, na prática, querer assumir o papel dos outros – que não é, neste momento, o seu – é julgar que os outros sejam incapazes de fazer aquilo que só nós saberíamos ou teríamos competência. Tenho certeza de que aqueles servidores públicos, abnegados, que realmente quiserem fazer alguma coisa, sabem que têm o grande espaço de ajudar, colaborar com as pessoas que ocupam o papel de conselheiros. Jamais usurparem o seu papel. Por que tanta disputa? O interesse é garantir a representação de milhares de cidadãos, num movimento democrático, ou existe subalternamente algum outro interesse envolvido?
Já pensaram um conselho de saúde feito exclusivamente de servidores públicos municipais, estaduais ou federais? Como cada servidor mora num bairro, participa de um movimento, é só vir por ele, como lídimo representante!!! Neste exato momento não teremos um retrato da sociedade na representação do conselho, mas apenas um segmento dominante: o dos servidores. A ânsia de participar... matando a participação do todo, para privatizar a participação na parte! Isto seria dominar o conselho pelo corporativismo, aqui deletério.

VEDADA A PRESENÇA DE VEREADORES, MEMBROS DO JUDICIÁRIO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS CONSELHOS DE SAÚDE

O Conselho de Saúde pertence ao Poder Executivo e, em última análise é de responsabilidade do executivo: Prefeito, Governador ou Presidente. Colocar um membro do Ministério Público, Judiciário ou Legislativo sob a tutela do Prefeito no Conselho fere com o princípio de independência dos três poderes. Como pode um Vereador fazer parte do Conselho num dia, decidindo e aprovando medidas e gastos e ao mesmo tempo estar na Câmara ou Assembléia aprovando ou reprovando contas que ele próprio já tinha aprovado ou reprovado antes no Conselho? Como fica a lógica do controle do executivo pelo legislativo? E o judiciário ou Ministério Público, que irão julgar estes mesmos serviços, como ficarão quando as contas apresentadas já foram vistas, avaliadas e aprovadas por eles e tenham possíveis erros?
Existem vários escritos de juristas respeitados que trata desta independência necessária entre os poderes. Aqui vão citados alguns.
Hely Lopes Meireles, consagrado jurista, em Direito Municipal Brasileiro afirma: “Pratica absolutamente inconstitucional é a designação de Vereadores para integrar bancas de concurso, comissões de julgamentos de concorrência, grupos de trabalhos da Prefeitura e outras atividades tipicamente executivas. A independência dos dois órgãos do governo local veda que os membros da Câmara fiquem subordinados ao Prefeito, como impede a hierarquização do Executivo ao Legislativo. Ora, a só nomeação de um Vereador pelo Prefeito, está evidenciar a sujeição deste membro do Legislativo ao chefe do Executivo local”.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, in Comentários à Constituição Brasileira, diz “Se a mesma pessoa puder, concomitantemente exercer funções de um e de outro dos poderes, estará ferida a “separação de poderes”. Realmente, disso decorrerá o estabelecimento de uma verdadeira união pessoal”a confundir as funções e órgãos”
Michel Temer, in Elementos de Direito Constitucional, “De fato, a vantagem da tripartição do poder reside na circunstância de os integrantes de cada qual deles se insvestirem, funcional e psicologicamente, nas suas atribuições próprias. Só assim se garante desempenho desenvolto e livre. Se alguém é, ao mesmo tempo, deputado e governador, não poderá desempenhar nenhuma destas funções a contento. Basta dizer que uma das funções do legislativo é a fiscalização dos atos do executivo. Como realizá-la, diante da duplicidade”.
Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos, especialistas em direito sanitário, in Comentários à Lei Orgânica da Saúde: ”Não devem (ou não podem) participar do conselho, membros de outros poderes ou instituição como o Ministério Público. Portanto Vereador, Deputado, Juiz ou Promotor não podem integrar o Conselho. Haveria incompatibilidades funcionais intransponíveis, sem falar nos problemas comuns gerados no funcionamento do colegiado pela presença de membros do Poder Legislativo, do Poder Judiciário ou do Ministério Público.”
O princípio básico é o da Constituição Federal em seu Art.2º “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
A Constituição do Estado de São Paulo é ainda mais enfática em seu Art. 5º § 2º “O cidadão, investido na função de um dos poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.” Provavelmente a Constituição de outros Estados deverá trazer a mesma determinação.

QUEM SÃO OS REPRESENTANTES DO GOVERNO NO CONSELHO DE SAÚDE?

O Governo será representado por qualquer pessoa indicada pela autoridade máxima daquela esfera de governo a que se refere. Ou, o mais comum, pela autoridade sanitária por delegação do Presidente, Governador ou Prefeito: Ministro ou Secretário de Saúde.
Nas minhas andanças não me lembro de que em algum lugar o membro nato representante do governo, não seja o Secretário de Saúde (diretor, chefe, coordenador ou outro). Os demais membros representantes do governo serão indicados pelo próprio governo. Quem ele determinar: da própria secretaria da saúde, de outras áreas do governo, cargos comissionados, funcionários etc. Prefiro sempre que a lei só indique o número de representantes do Governo, deixando a ele a competência total de indicar quem irá representá-lo.
Quando falamos de Governo estamos tratando da esfera de Governo á qual o Conselho pertence. Não são considerados Governo os prestadores de serviços públicos ligados a outros Ministérios como Educação (Hospitais Universitários) Defesa (Hospitais Militares) ou outras Secretarias como Educação (Hospitais Universitários) Segurança (Serviços de Saúde de Penitenciárias) Administração (Hospitais de Servidores) e outros. Estes quando se integram ao SUS estarão categorizados como “prestadores públicos” no segmento de prestadores, rejam-se por contratos de gestão ou de prestação de serviços ou por contratos e convênios.
As Secretarias Estaduais de Saúde e seus representantes nos Conselhos Municipais de Saúde não são nenhum dos segmentos: nem Governo, nem prestador, nem profissional, nem usuários. É extremamente louvável que sejam convidados a participarem ativamente das reuniões dos Conselhos, mas nunca como membros dos Conselhos Municipais. O mesmo se diga de representantes do Governo Federal em Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde.

QUEM SÃO OS PRESTADORES DE SERVIÇOS DO CONSELHO DE SAÚDE?

Algumas interpretações deste termo: PRESTADORES DE SERVIÇOS. Prestador de Serviço: de saúde ou de qualquer outra área? Prestador de Serviço: de qualquer outra área prestando serviços à saúde ou a toda a administração pública da esfera de governo? Prestador de serviços incluindo toda a linha de comércio de material de saúde (equipamentos, medicamentos, material médico, odontológico, hospitalar e de enfermagem etc.)?
Vi, mais recentemente, uma interpretação de que este segmento de prestador de serviço seja o lugar também da representação dos fabricantes e comerciantes de material de saúde como equipamentos, medicamentos etc. etc. Esta interpretação tem sido considerada polêmica, mas não existe nenhuma base legal que os possa incluir ou excluir, exceto o segmento de fabricantes que pertenceria ao setor secundário da economia e não ao terciário que é a “prestação de serviços”.
Por assim acreditar e defender tenho me valido do conceito mais restrito e direto de que este prestador de serviço seja exclusivamente o de “serviços de saúde”. Costumeiramente colocamos aqui os prestadores de serviços de saúde públicos e privados, prestem ou não serviços para o SUS: hospitais, clínicas, consultórios, laboratório bioquímicos, de imagem e outros, centros de terapia etc. Espaço das pessoas jurídicas. Os privados também pertencem e fazem parte do Sistema de Saúde no Brasil e têm assento no Conselho. O SUS se refere ao público e ao privado sobre o qual exerce a regulação, fiscalização e controle.

QUEM SÃO OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DO CONSELHO DE SAÚDE?

Os Conselhos de Saúde, de cada esfera de governo, estão previstos no bloco de constitucionalidade brasileiro.
Pelo que dispõe a legislação que regula a participação da comunidade no SUS (Lei 8.142/90), e até mesmo a partir da própria Constituição federal, conclui-se que os profissionais de saúde são membros natos dos Conselhos de Saúde como locus de exercício do poder popular e do Controle Social na área de saúde.
Mas, o que se entende por profissional de saúde? Respondo: profissionais de saúde são todos aqueles trabalhadores que trabalham na área de saúde, de todas as categorias (operacional, auxiliar, técnico, universitário). Podemos aprofundar este conceito e recepcionar mesmo os pontos controversos de definição de quais sejam estes profissionais. Entendo que neste mandado legal se deva interpretar da forma mais aberta e abrangente possível. Vejamos.
Quanto ao exercício profissional. Profissionais de saúde podem ser regulamentados ou não. Podem ser mão-de-obra formal ou informalmente da saúde. Incluem-se aí as duas grandes categorias: os profissionais exclusivamente da saúde e aqueles que, ainda que de outras áreas de conhecimento, trabalham em saúde. Nestes incluem-se todos os profissionais que trabalhem com saúde não sendo unicamente da saúde como são os motoristas, auxiliares gerais, digitadores, programadores, planejadores, assistentes sociais, engenheiros, arquitetos, administradores, economistas, contadores e outros. Sempre que estejam trabalhando com saúde, na saúde e pela saúde. Naqueles incluem-se todos os profissionais sempre considerados como profissionais de saúde como os enfermeiros (auxiliares, técnicos ou universitários) médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas, farmacêuticos, bioquímicos etc. etc.
Quanto ao vínculo empregatício. Profissionais de saúde que trabalhem nos serviços públicos, nos serviços privados contratados e conveniados, ou em qualquer serviço privado, mesmo que não tenha relação direta com o SUS a não ser sua subordinação à regulação, fiscalização e controle daquele.
Quanto ao exercício de função de confiança da administração pública ou privada. Profissionais de saúde podem exercer ou não cargos de confiança tanto na iniciativa pública como na privada. Os profissionais em função de confiança quando funcionários públicos, têm e exercem posição de governo e não de simples profissionais. O mesmo ocorre com aqueles que têm função de confiança e chefia ou são proprietários de empresas prestadoras privadas de serviços de saúde e que nestas circunstâncias devam ser considerados prestadores de serviços de saúde, ainda que sejam profissionais de saúde.
Esta questão dos profissionais de saúde em exercício de cargo de confiança tem gerado controvérsias que vale explicitar. Há aqueles que afirmam que os servidores em cargo comissionado não perdem sua condição de profissionais de saúde. Isto é verdadeiro. Tanto quanto dizer que Prefeito, Governador, Presidente não perdem sua condição de usuário dos serviços de saúde!!! Mas, daí concluir que devem representar os usuários vai um abismo. Estes, enquanto são governo deixam de ser, transitoriamente do segmento usuário, pois têm uma dupla representação de segmento e pela lógica só pode prevalecer uma delas. A Lei Complementar 491/9595, do Estado de São Paulo (Código Estadual de Saúde) diz explicitamente em relação aos usuários: “Para garantir a legitimidade de representação paritária dos usuários, é vedada a escolha de representante dos usuários que tenha vínculo, dependência econômica ou comunhão de interesse com quaisquer dos representantes dos demais segmentos integrantes.”
Este princípio pode, perfeitamente, ser usado por similitude, para qualquer tipo de possível risco de contaminação da representação de um com qualquer outro segmento do Conselho de Saúde. O mesmo se diria de governo representar prestador (na 8.080/90 está bem claro que ninguém em cargo de direção do SUS pode ter cargo em prestadores de serviços para o SUS, isto pelo mesmo princípio).
Chega-se a ponto de discutir que a presença de alguém que pertença claramente a um segmento, se assumir a representação de outro, conspurca a legitimidade da representação. Minha argumentação é que a dupla militância, com mistura da representação, pode levar a dois erros insanáveis, sozinhos ou associados. Se de um modo o representante pode se sentir constrangido, ao estar dos dois lados, assumir um só deles e prejudicar o outro. De outro modo, um dos lados de sua representação pode se sentir traída quando o representante tender para o contrário e prejudicando ao seu lado. Aí sim retaliar o contrário.
É simples: profissional de saúde em cargo comissionado vota contra o governo e a favor dos profissionais de saúde? Ou a favor dos profissionais e contra o governo? Sempre que se discute esta questão existe alguém que se levanta de pronto e diz: você está pensando mal do profissional... ele não vai se deixar corromper. Pode ser verdade, mas eu nunca posso garantir se a recíproca é verdadeira: se o profissional em cargo de confiança votar em matéria favorável aos profissionais, o gestor será capaz o suficiente para não retaliar o profissional ou a classe dos profissionais? Sei não. Só dúvidas e incertezas e, para não tê-las, defendo evitar-se o risco. Se, de outro lado este servidor votar contra os profissionais, provavelmente terá as benesses do governo e estará traindo os profissionais. Está aí o resultado de uma dupla militância. Não podemos permitir que estes equívocos aconteçam, desnecessariamente.
Nosso objetivo final continua sendo a defesa da saúde como condição condicionante do direito à vida com qualidade, com bem estar, com felicidade. Tudo o mais é caminho, sendo o mais importante deles a participação do cidadão nos seus destinos e na definição, acompanhamento e controle de tudo, na sociedade e nos governos, que seja capaz de ajudá-lo a ser mais feliz.

[1] Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser divulgado independente de outra autorização. Textos do autor disponíveis no site www.idisa.org.br - Contato: carvalhogilson@uol.com.br.

domingo, 8 de novembro de 2009

A doença do financiamento da Saúde

FOLHA DE SÃO PAULO - 02 DE NOVEMBRO DE 2009

Paulo Capel Narvai

É hora de pôr um ponto final na longa e chata novela do financiamento da saúde, que passa por doença grave e tem diagnóstico claro
A INCÚRIA com que os poderes públicos vêm lidando com o problema do financiamento da saúde no Brasil tem graves consequências: mata diariamente milhares de brasileiros, sobretudo os pobres.
O SUS, única possibilidade assistencial para mais de 75% da população, conta com um esquema de financiamento frágil e que não se ampara em lei. Algumas fontes, mesmo regulares, podem ter alíquotas diminuídas e, no limite, suprimidas.
Governantes, de todas as esferas, fazem o que querem com os recursos do setor. Dinheiro que deveria cobrir gastos com partos é empregado até para vacinar gado.
A doença do financiamento da saúde é grave. O diagnóstico é claro. Sabe-se das dificuldades relacionadas ao tratamento e não se pode perder tempo. Deve-se agir rapidamente e colocar no passado, definitivamente, a cena lamentável de, todos os anos, ministros e secretários da Saúde participarem de acordos políticos e conchavos no Congresso Nacional, em Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores para aprovar verbas para a saúde nos seus orçamentos.
É preciso regulamentar a emenda constitucional 29, que tramita no Congresso e trata do financiamento da saúde nas três esferas de governo, fixa regras para a alocação de recursos para o setor e define o que são gastos em saúde.
É urgente que o Congresso supere a paralisia que o tem levado a postergar a regulamentação da emenda, como se estivesse a esperar Godot. Não há o que esperar. É preciso agir e fazer com que essa letargia parlamentar pare de matar brasileiros.

PAULO CAPEL NARVAI, 55, doutor em saúde pública, é professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP. Coordena o programa de pós-graduação em saúde pública da USP e representa a universidade pública no Conselho Municipal de Saúde de São Paulo. TEXTO INTEGRAL ANEXO