sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Eleições do Conselho Nacional de Saúde: a posição do CEBES

VERSÃO FACTUAL E ANÁLISE CIRCUNSTANCIAL SOBRE A 216ª REUNIÃO PLENÁRIA DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE

Na ocasião, foi estabelecido impasse e posto em suspensão o processo eleitoral de renovação da mesa diretora.


Alcides S. de Miranda

Preâmbulo de contextualização

Como dever de ofício, na condição de representante do CEBES como Conselheiro Titular no Conselho Nacional de Saúde (CNS), reporto agora minha versão factual e análise circunstancial sobre os eventos ocorridos por ocasião das últimas reuniões Plenárias (216ª, ordinária de 08 a 09/12 e extraordinária em 10/12), que tinham como item de pauta a instalação de Comissão e realização de processo eleitoral para a renovação da respectiva Mesa Diretora desta instância colegiada.

Como contextualização precedente, convém esclarecer que o mesmo trâmite e processo eleitoral já ocorreram anteriormente no CNS. Desde 2006, ficou estabelecido e formalizado em Decreto Presidencial e, posteriormente, em Regimento Interno do CNS, que o mandado das representações é de 3 anos e da Mesa Diretora de 1 ano (podendo haver uma recondução).

A lei que regulamenta esta instância colegiada é a 8.142 (de 28/12/1990), complementar ao texto constitucional, que estabelece em seu artigo 5°: “É o Ministério da Saúde, mediante portaria do Ministro de Estado, autorizado a estabelecer condições para aplicação desta lei”. Ou seja, todos os detalhamentos e especificações acerca da aplicação da referida lei e, portanto, do funcionamento das instâncias colegiadas criadas a partir da mesma.

Em Informativo Interativo Eletrônico do CNS aos Conselhos de Saúde (n° 18, Junho de 2006), o referido Decreto Presidencial (que dispõe sobre a organização, as atribuições e o processo eleitoral do CNS) está noticiado nos seguintes termos:

“Respeitando as decisões das últimas conferências nacionais de saúde, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou que a presidência do Pleno será exercida por um conselheiro eleito dentre os titulares. Isso significa que o presidente do CNS poderá ser representante de qualquer um dos segmentos que compõem o Conselho Nacional. Assim como a eleição das entidades e movimentos, o processo de escolha do presidente também está estabelecido no decreto 5.839, de 11 de julho de 2006.

A eleição do presidente do CNS será realizada em votação secreta, na mesma reunião de posse dos novos conselheiros nacionais¹. Somente poderão votar os membros titulares.

O presidente eleito cumprirá mandato de um ano¹. Após esse período, serão convocadas eleições internas para a renovação da presidência do Pleno. Já o mandato dos conselheiros nacionais de saúde ficou definido em três anos. Isso significa que os conselheiros que assumirem este ano permanecem como membros do Conselho Nacional de Saúde até 2009. Após esse período, será permitida apenas uma recondução sucessiva tanto para os representantes titulares quanto para os suplentes.

É exatamente sobre tal Decreto Presidencial, ou sobre o impasse gerado a partir de seu questionamento e possíveis interpretações (por ocasião da última reunião Plenária do CNS), que se desenrola o enredo sobre o qual descrevo minhas considerações.

É importante denotar que, embora se trate de análise acerca de eventual aplicabilidade de termos legais, o teor da legislação pertinente (Lei 8.142) não está posto em questão. Antes, trata-se da interpretação sobre a (in)compatibilidade entre alguns termos de um Regimento Interno (do CNS) e do Decreto Presidencial, de cunho mais administrativo2, que o regulamenta e que trata primordialmente sobre a sua integração à estrutura administrativa do Ministério da Saúde. Em termos normativos, este mesmo Decreto Presidencial estabelece em seu artigo 11° que: “A organização e o funcionamento do CNS serão disciplinados em regimento interno, aprovado pelo plenário e homologado pelo Ministro de Estado da Saúde”.

Entretanto, a tese substancial defendida neste texto é a de que a questão em foco não pode e nem deve ser reduzida às suas versões ou interpretações jurídico-normativas; mas deve ser compreendida, analisada e encaminhada a partir de perspectiva política, considerando pretensões e preceitos mais apropriados às instâncias da esfera pública, de Controle Social, que operam sob a égide republicana e a tensão por mais democracia participativa.

Versão factual

No início da última reunião Plenária do CNS (08/12/2010), durante o primeiro ponto de pauta, um Conselheiro representante do Governo Federal (Ministério da Educação) levantou um questionamento acerca da pertinência de instalação daquele processo eleitoral para a Mesa Diretora do CNS. Ele alegou que, embora o Regimento Interno do CNS estabeleça eleições anuais para a Mesa Diretora (algumas já ocorridas com tal periodicidade), o Decreto Presidencial de o instituiu define que a Mesa Diretora deve ser empossada na mesma Plenária de eleição dos Conselheiros, ou seja, a cada três anos. Instalado o impasse, houve a interrogação e questionamento, da parte da representação de Usuários, sobre o porquê desta interpretação e manifestação não ter sido externada anteriormente (por exemplo, na eleição anterior, que estipulou o prazo de 1 ano de mandato para a atual Mesa Diretora).

Neste momento houve muita tensão e manifestações contidas da parte de vários Conselheiros, que, ora manifestaram a necessidade de preponderância de manejo político da situação, ora reiteraram a necessidade observância de cautela perante o impasse acerca da interpretação e manejo do caso.

A posição inicial manifestada pela representação de governo foi a de que, enquanto não fosse dirimida a dúvida acerca da validade de uma eleição anual, o mandato da atual Mesa Diretora deveria ser mantido, com recomendação de consulta ao órgão do Ministério da Saúde responsável pela consultoria jurídica (vinculada à AGU). Optou-se inicialmente por convidar um especialista do MS (consultoria jurídica) para emitir uma opinião informal e inicial sobre o assunto. No início da tarde de 08/12, compareceu um advogado desta consultoria, que manifestou informalmente uma interpretação de que havia incompatibilidade entre o Regimento Interno do CNS e referido Decreto Presidencial.

Após o posicionamento da consultoria jurídica do MS, eu expus na Plenária o apelo por uma atitude, que defini como de dignidade política, no sentido em que todos os membros da atual Mesa Diretora renunciassem ao seu mandado. Do meu ponto de vista, tal renúncia resolveria imediatamente o impasse jurisconsulto e abriria a possibilidade tanto de efetivação do processo eleitoral, como para o posterior ajuste entre os termos do Regimento Interno e Decreto Presidencial correlatos ao CNS. Na representação dos Usuários tal proposição foi considerada como viável e necessária, entretanto, nas outras representações foi majoritariamente considerada como ingênua, impraticável e atinente ao foro íntimo e individual de cada membro da atual Mesa Diretora. O segmento de Usuários, em reunião específica, chegou a definir a renúncia voluntária de seus representantes na Mesa Diretora, como modo de superar o impasse criado. Entretanto, as outras representações não concordaram com tal indicativo.

Nos dias 08 e 09/12 ocorreram várias reuniões colaterais, de e entre os segmentos de representação no CNS, visando construir uma saída consensual para lidar com o referido impasse. Ao final do dia 09/12 os indícios apontavam para um acordo entre as representações, a partir de uma proposta de adiamento do processo eleitoral para Março de 2011, instituição de uma Comissão Eleitoral (paritária e coordenada por um representante do segmento de Usuários) com a tarefa de dirimir a dúvida regimental e efetuar eventuais ajustes, considerados pertinentes e necessários. Entretanto, a representação de governo reiterou que não aceitaria qualquer encaminhamento em que estivesse estabelecido previamente algum prazo para o mandato da atual Mesa Diretora ou para o processo eleitoral.

No dia 10/12, após novas reuniões de e entre segmentos de representação, a Plenária Extraordinária foi iniciada sem acordo preestabelecido entre as partes. Após exaustivas e tensas discussões na Plenária, considerada a posição a posição rígida do governo (não admissão de prazo para o mandato atual da Mesa Diretora e para eleição), prevaleceu um indicativo, amparado por acordo político e votação consensual:

1- Avaliação do desempenho da atual Mesa Diretora (conforme previsto no Regimento Interno do CNS), definida para a Plenária de Janeiro;
2- Instalação de Comissão Paritária entre as representações de segmentos, para análise e encaminhamento de consultorias formais acerca do impasse, como também, de tratativas posteriores, visando viabilizar o processo eleitoral;
3- “Prorrogação” do mandato da atual Mesa Diretora, pelo menos, até Março de 2011, prazo previsto para o trabalho da Comissão (item 2)

Análise circunstancial

De acordo com minha impressão, cálculo político e previsão (preliminares ao momento da referida reunião), considerado todo o período de funcionamento do CNS, esta era a primeira vez em que a representação de Usuários tinha melhores e reais condições de ocupar a Presidência do CNS, a partir de uma disputa eleitoral na Mesa Diretora. Desta vez, embora com uma disputa interna prévia, o segmento apresentou candidatura única e um maior grau de coesão (não de unanimidade), contando inclusive com o apoio velado ou explícito de representações de outros segmentos. Tal apontamento inicial não sustenta nenhuma insinuação adjetiva plausível; serve tão somente para denotação de variável significativa no contexto em questão.

Mesmo admitida uma eventual pertinência da dúvida regimental, introjetada e transmutada em impasse, é de se estranhar a sua expressão extemporânea e a postura normativa rígida adotada pela representação de governo. É certo que, principalmente, tal representação deva se acautelar acerca de encaminhamentos futuros que possam ser considerados como inadequados ou irregulares do ponto de vista jurídico-normativo; entretanto, em outras ocasiões durante a mesma reunião Plenária, quando se tentou encaminhar tratativas de convergência e encaminhamentos políticos consensuais para se lidar com o referido impasse (p. ex. a proposição de prorrogação curta do mandato da atual Mesa Diretora), a mesma representação alegou que o Regimento Interno do CNS não o permitia. Em outros termos, para efeito de encaminhamento do processo eleitoral previsto o Regime Interno era contestado, para efeito de outros encaminhamentos correlatos, era usado como anteparo para interditar as alternativas apresentadas. Em suma, a representação governamental gerou o impasse jurisconsulto e se aferrou ao mesmo para fazer prevalecer a interdição tanto do processo eleitoral como das tratativas políticas para a sua superação.

Existe um discurso normativo, que intenta fundamentar a pretensão regulatória sobre as ações em curso. Quando validado, tal discurso põe em suspensão todas as expectativas, até que suas afirmações problematizadas sejam confirmadas, legitimadas ou refutadas.

Mas existe também um discurso prático, que busca comprovar tais proferimentos regulativos, em razão de sua aplicabilidade no mundo real, nas relações cotidianas. Tal discurso prático conduz a uma validação consensual, a um compartilhamento da norma problematizada, produzindo então uma norma consensuada e legitimada (o que é mais da natureza de uma instância de democracia participativa).

Quando o discurso normativo tem como função obstruir, interditar a abertura dos discursos práticos, em verdade impede a tematização sobre os fundamentos do poder e margens de autonomia política. Algumas normas institucionais, por exemplo, podem ser objeto de pseudo-legitimação quando cumprem a dupla função de impedir que elas próprias e seus propósitos, sejam tematizados discursivamente. Neste caso, o intento é substituir a discussão política por discursos normativos e comportamentos regrados. Daí, se os fundamentos sobre o poder não podem ser tematizados, não é porque repousam sobre a normatividade legítima, mas porque a lógica das regras passa a ser preponderante.

Por sua vez e em princípio, o segmento dos profissionais de Saúde, capitaneado pelo FENTAS (Fórum das Entidades Nacionais dos Trabalhadores da Área da Saúde, que tem ocupado nos últimos anos a Presidência do CNS), deliberou majoritariamente por um encaminhamento convergente com aquele da representação de Usuários, visando o adiamento e realização da eleição em Março/2011, a instituição de uma comissão paritária para lidar com o impasse etc. Em seguida, convergiu (também de forma majoritária) para a posição imposta pela representação de governo, ou seja, deixar indefinida a possibilidade de prazo ou condições para a realização do processo eleitoral.

Como representante do CEBES, em razão de seu vínculo segmentar no âmbito do CNS, participo do FENTAS. Por ocasião desta última reunião, também pude participar de todas as discussões acerca das tratativas sobre o referido impasse. Neste transcurso reiterei a proposição de uma iniciativa de renúncia voluntária da Mesa Diretora, como forma de superação do impasse jurisconsulto, garantia do processo eleitoral e encaminhamentos de futuros ajustes regimentais. Fui voto vencido (modo de dizer, porque nem chegou a haver votação sobre tal proposta).

Pareceu-me óbvio que a (dis)posição da maioria dos representantes que compõem o FENTAS é de manter ou renovar o cargo do atual Presidente do CNS³. Também claro está, que tal (dis)posição ampara-se em análise política e conjuntural acerca do que seria mais apropriado e conveniente para a defesa do legado e capital político acumulado nos últimos anos, além do protagonismo na definição da agenda e na condução política do CNS. Se tal (dis)posição de manutenção ou recondução do atual Presidente é legítima e louvável, na perspectiva da disputa democrática aberta, o seu amparo em filigranas regimentais ou impasses oportunos pode e deve ser questionado.

Alguns dos representantes vinculados ao FENTAS buscaram e continuam buscando uma superação da atual indefinição e de incompreensões mútuas entre os segmentos e representações no âmbito do CNS, tendo em vista a necessária e oportuna eleição e renovação da Mesa Diretora. Compreendem que, muito mais do que a disputa em questão, importa encontrar alternativas que evitem futuras desagregações, eventuais máculas e exemplos desaconselháveis ao conjunto de instâncias que conformam o chamado Controle Social. É de se esperar que esses representantes intentem externar, de forma transparente, ponderações e esforços em busca de mediações políticas necessárias para a salvaguarda das prerrogativas plurais e vocação pública do CNS.

Retornando à questão premente, uma coisa é certa: até a véspera desta última reunião Plenária, fato corroborado inclusive em publicações do próprio CNS, todos pareciam concordar que o mandato da atual Mesa Diretora deveria terminar agora em Dezembro. Apesar do tal impasse jurisconsulto, a conotação mais aparente sob a perspectiva política é a de quebra das regras acordadas durante o jogo, às vésperas de uma decisão.

A cronificação do impasse jurisconsulto e o impreciso adiamento da eleição da Mesa Diretora do CNS, independente da interpretação acerca dos eventuais e melhores modos de encaminhamento, transferiu o processo não somente para o ano vindouro, mas também para outra conjuntura, na qual, provavelmente haverá outra correlação de forças em disputa.

De todo o modo e mesmo assim, deve-se garantir aquilo que é da natureza e da tensão por democracia participativa na esfera pública (mesmo quando engendrada sob os moldes e entraves institucionais da democracia representativa): a preponderância da mediação política, o exercício da alteridade, o respeito às pretensões de alternância e pluralidade. Nestes termos, as eleições devem ocorrer o mais rápido possível, como imperativo ético-político e como lição de observância e respeito aos preceitos democráticos que geram e mantém as relações de confiança no âmbito do CNS.

Nesta circunstancia relatada, muitos Conselheiros queixaram-se, inclusive em público, das dificuldades encontradas para a negociação e construção de acordos entre os segmentos do CNS. Atribuíram ao momento, ênfase na reiteração de miudezas e motivações particulares, disfarçadas sob discursos normativos ou democráticos. Creio não poder antecipar e nem emitir juízo de valor sobre os graus de justeza ou pertinência em tal queixa, prefiro lembrar que não se trata de miudeza a lide com os (des)caminhos da democracia participativa em espaços da esfera pública. Trata-se de questão de princípio e de grande responsabilidade civil, que não pode ser tergiversada, mesmo em razão de conveniências conjunturais, inconfessáveis interdições ou exacerbada rigidez normativa.

Espero sinceramente, que prevaleça o compromisso ético, político, pedagógico e solidário pela garantia de confiança e compromissos mútuos, constituídos entre representações e representantes empenhados na construção das políticas públicas de Saúde. Reitero ainda, o apelo pela iniciativa e atitude política mais digna de renúncia voluntária dos membros da atual Mesa Diretora, o que, se realizado oportunamente, superaria o atual impasse e abriria a possibilidade de nova eleição e recomposição no âmbito do CNS.



Alcides S. de Miranda é Conselheiro Titular no CNS, na representação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)


¹ Grifos meus. ² Embora referenciado em artigos de Decreto-Lei (n° 200) e de lei (n° 8.028).

³ Em semana anterior ao da referida reunião, representantes do FENTAS chegaram a propor um acordo para alguns representantes do segmento de Usuários, descartado pelos mesmos, de reconduzir a atual Mesa Diretora e, na eleição seguinte, apoiar uma candidatura de Usuário para a Presidência do CNS.


segunda-feira, 24 de maio de 2010

Reunião do Conselho Municipal de Saúde de Joinville.

EDITAL DE CONVOCAÇÃO

192ª ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE

Data : 31.05.2010
Início : 18:30 horas
Término : 20:30 horas

Local : Plenarinho da Câmara de Vereadores de Joinville – Rua Hermann August Lepper,
1.100, Saguaçu – Joinville - SC

1-EXPEDIENTES:

1.1 Apresentação e aprovação da Pauta da Reunião;
1.2 Entrega das Atas das Assembleias do dia 08.12.08 e 17.05.10;
1.3 Aprovação da ata da Assembleia do dia 08.03.10;
2-ORDEM DO DIA:
2.1 Apresentação do Parecer nº 019/2010 da Comissão de Assuntos Internos-CAI,
referente o Relatório de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde do ano de 2009 - 5';
2.2 Apresentação do Parecer nº 017/2010 da Comissão de Assuntos Internos-CAI,
referente o Plano de Ações e Metas 2010 do Programa DST/HIV/Aids - 5';
2.3 Apresentação do Parecer nº 018/2010 da Comissão de Assuntos Internos-CAI,
referente o credenciamento de prestadores de serviços de saúde interessados em firmar
parceria com o Sistema Único de Saúde, em caráter complementar, habilitados e
enquadrados como Unidade de Atenção Especializada em Oftalmologia de acordo com o
que estabelece a Portaria SAS nº 288/08- 5';
2.3 Apresentação da Prestação de Contas da Secretaria Municipal de Saúde referente o
Primeiro trimestre de 2010 – 90';

3-ASSUNTOS DIVERSOS

4- INFORMES GERAIS

Secretaria Executiva do Conselho Municipal de Saúde de Joinville
Rua Itajaí, 51 – 3º andar – Centro Contato: (47) 3431-4596 / 3431-4568

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Os particos políticos não podem ter representação formal como partido político no Conselho de Saúde

Gilson Carvalho[1]

Os partidos políticos podem pleitear vaga nos Conselhos de Saúde? Minha pronta resposta sempre será que OS PARTIDOS POLÍTICOS NÃO PODEM TER REPRESENTAÇÃO NOS CONSELHOS DE SAÚDE COMO UM SEGMENTO DE PARTIDOS POLÍTICOS.
Cuidado para que não me demonizem. Não se trata de vedação a pessoas que – representando qualquer outro segmento ou entidade – tenham e professem uma fé política com filiação partidária. NADA CONTRA A MILITÂNCIA POLÍTICA PARTIDÁRIA DE TODO E QUALQUER CIDADÃO. ELA É SALUTAR E DEVE SER ESTIMULADA! A polêmica discussão é se devam ter nos Conselhos de Saúde vagas específicas para representantes dos partidos políticos: representação dos partidos da situação? Dos partidos da oposição? Dos de direita ou de esquerda? Repito: NADA CONTRA A PRESENÇA DE PESSOAS COM CONFISSÕES POLÍTICAS PARTIDÁRIAS. A MEU VER, MAS, TUDO CONTRA REPRESENTAÇÕES FORMAIS DE PARTIDOS POLÍTICOS.
Lembro que a vedação à presença de PARLAMENTARES E DE SEUS ASSESSORES, parece ter uma motivação semelhante, mas tem outra razão de ser. Outro motivo inquestionável que é a independência dos poderes. Em órgão do executivo é constitucionalmente vedada a presença de alguém do legislativo.
Aí vem o mais difícil: qual o argumento de vedação à presença dos partidos políticos no governo? Realmente não encontrei na legislação nenhum argumento explícito que vede a presença nos Conselhos de representantes dos partidos políticos na cota dos usuários pois na dos outros segmentos (governo, prestadores, profissionais) não se enquadraria.
Meu argumento mais forte tem como base a lei 8142. Esta lei cria oficialmente os Conselhos de Saúde e tratam de sua composição. Coloca em clareza meridiana a contraposição entre usuários de um lado e governo, prestadores e profissionais de outro. É isto que ela quis que se fizesse exigindo, inclusive, a paridade entre um e outro lado. Caso contrário não haveria oposição de partes. Haveria uma discriminação odiosa, uma assimetria indesejável, se os usuários (que não fossem governo, prestadores ou profissionais) não pudessem fazer parte daquele grupo e os daquele grupo pudessem passear no lado dos usuários! Seria a dominância dos mais fortes.
No fundo, a oposição das partes no Conselho se faz entre os PROVEDORES DE AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE (GOVERNO, PRESTADORES E PROFISSIONAIS) e de outro lado os CIDADÃOS EM SUA CONDIÇÃO DE USUÁRIOS. Quando se faz uma categorização qualquer, as categorias têm que ser mutuamente excludentes: você não pode colocar as partes indiferentemente de um lado e outro. Além deste problema de ordem legal e jurídica teríamos um problema de ética e de moral ao permitir que os segmentos governo, prestadores e profissionais pudessem ocupar o lugar de usuários. No Conselho é exatamente a representação destes segmentos (governo, prestadores e profissionais) que está em posição contraposta a de um usuário. Sua competência e responsabilidade é a de provedor (ainda que transitório) das ações e serviços de saúde. Por mais que se queira que os usuários sejam ativos, participantes, protagonistas nas ações de saúde, existem papéis extremamente distintos entre os dois grandes grupos.
No Estado de São Paulo existe, desde 1995 , na Lei 791, do ex-deputado Roberto Gouveia, o médico sanitarista grande formulador das leis paulistas de saúde, a vedação formal de que representem usuários os que tenham: vínculo, dependência econômica e comunhão de interesses com o governo, prestadores e profissionais. Aí tem a confirmação explícita e legal que não se podem confundir os dois lados. Vejamos na íntegra: “Lei 791-1995-SP Art.68 - Para garantir a legitimidade de representação paritária dos usuários, é vedada a escolha de representantes dos usuários que tenha vínculo, dependência econômica ou comunhão de interesse com quaisquer dos representantes dos demais segmentos integrantes do conselho.”
Mas, o que teria esta compreensão (preceito explícito legal em São Paulo) com a vedação à presença formal dos partidos políticos (não de cidadãos partidários, filiados a partidos políticos) no Conselho? Simples, o partido político do Prefeito, Governador ou Presidente não pode representar usuários pois, tem evidente vínculo e comunhão de interesse com o Governo. Se não pode um lado, seria insano que o lado oposto pudesse estar presente. Representação impossível dos partidos aliados e representação, dos demais partidos, possível e legítima?
Outro argumento é de que o lócus de atuação dos partidos políticos é na política geral, em cargos eletivos no Executivo e no Legislativo. Nos conselhos, de saúde e outros, a representação é de outros segmentos bem definidos e das entidades que os representem. Os partidos políticos defendem as partes que representam enquanto nos conselhos deva existir a política de representação do todo, sempre sob um critério que não seja o da política partidário. O lócus da representação dos partidos políticos é a chefia do executivo e seus comissionados e o do legislativo na Câmara ou na Assembléia.
Acho que o maior argumento seria o de que na conta dos usuários não devem estar categorias profissionais nem nenhuma outro tipo de representação específica, como os Partidos Políticos que tem por finalidade fazer política partidária. Os conselhos devem representar o mais livremente possível a sociedade, a comunidade, o bairro, o distrito. Partido Político tem fins específicos que não tem nada a ver com usuário da saúde; seu papel é fazer política partidária e o conselho não é lugar para isso.
A idéia e proposta dos Conselhos e suas representações de usuários é exatamente buscar entre estes os segmentos que mais representem interesses ligados especificamente a cada uma das áreas. No caso da saúde, no art. 194 tem a exigência de que pelo menos façam parte do Conselho os representantes dos empregados, dos empregadores e dos aposentados.
Por sua vez os partidos políticos são o lócus de geração de parlamentares e seus assessores que exercem funções que derivam de sua filiação partidária ou de sua vinculação política ao mandato eletivo cujos espaços privilegiados de atuação são o parlamento e a sociedade, sendo estes os instrumentos de sua fiscalização do executivo e não os colegiados de democratização da gestão no SUS, como os conselhos de saúde.
Cria-se aqui um outro argumento correlato: os partidos políticos ou exercem o poder ou o controlam no parlamento: como poderiam eles próprios estarem dentro de um Conselho, representando usuários que são os controladores da ação do legislativo e do executivo? Executivo e parlamento é local exclusivo dos partidos. Ninguém pode invadir seu espaço nem usurpar-lhe este poder. Os conselheiros de saúde, indicados pelos partidos políticos já estão dentro da representação do GOVERNO, nos conselhos. Aqueles partidos que são de oposição ao executivo terão seu espaço claramente definidos dentro do legislativo. Não caberia a eles outro espaço que é o dos profissionais, dos prestadores, dos usuários do Sistema Único de Saúde, além do Governo. Somos todos usuários, sim, mas aqui, além da presença obrigatória dos empregados, empregadores e aposentados pode-se e deve-se buscar outros segmentos que representem os interesses dos usuários no campo da saúde. Nem sempre todos os partidos políticos têm flexibilidade e independência necessária na análise das necessidades de saúde, seus condicionantes e determinantes e consequentemente nas proposições de soluções. Nem tudo de que parece transbordar democracia, sempre a pratica. Têm se mostrado altamente deletérias, dentro dos conselhos de saúde, as partidarizações: política, profissional, de pacientes e portadores de deficiência, de prestadores e até dos governos.
Vale lembrar que a mesma situação se aplica aos demais conselhos do Executivo. A presença ou mesmo pleito de presença, dos partidos políticos, não existe nos demais conselhos: educação, assistência social, mulher, segurança, idoso, criança e adolescente etc. etc. Por analogia, também fica indefensável no de saúde.
Não posso esquecer-me da história. A luta pelo direito à saúde foi feita por inúmeros cidadãos, filiados a partidos políticos. Muitos dos defensores da saúde pública, integral e universal, fizeram parte daqueles cidadãos brasileiros perseguidos pela ditadura militar por confissão partidária. A defesa ferrenha da saúde foi assumida por partidos políticos e seus filiados até se conseguir colocá-la no texto da CF de 1988 e depois em sua regulamentação pelas Leis 8080 e 8142.
Estou colocando este texto à avaliação aberta em busca de outras contribuições em defesa da tese de que, nos Conselhos de Saúde, não haja representação formal, oficial, como segmento, dos partidos políticos. Enfatizo: nada, absolutamente nada, contra a presença de cidadãos filiados e militantes de partidos políticos como é uma prática desejável de cidadania!

OBSERVAÇÃO: AGRADEÇO DE PÚBLICO A OPINIÃO DE GRANDES AMIGOS MEUS QUE CONTRIBUÍRAM COM IDÉIAS PARA QUE ESTE TEXTO NÃO SIGNIFICASSE APENAS OPINIÕES MINHAS PESSOAIS. COLOQUEI NA RODA E, OS OUVIDOS, CONCORDARAM E REFORÇARAM A ARGUMENTAÇÃO DESTA IMPOSSIBILIDADE DE PARTIDOS POLÍTICOS FAZEREM PARTE FORMAL DE UM SEGMENTO DO CONSELHO.

Auditoria nas contas do SUS.


CONVERSA AFIADA - PAULO HENRIQUE AMORIM


SAIU NA CARTA CAPITAL - 26/02/2010


SP, MG, RS e DF usam repasse do SUS para equilibrar orçamento - REMÉDIO POR JUROS Leandro Fortes


Auditoria aponta que governos de SP, DF, MG e RS usaram recursos do SUS para fazer ajuste fiscal

Sem alarde e com um grupo reduzido de técnicos, coube a um pequeno e organizado órgão de terceiro escalão do Ministério da Saúde, o Departamento Nacional de Auditorias do Sistema Único de Saúde (Denasus), descobrir um recorrente crime cometido contra a saúde pública no Brasil. Em três dos mais desenvolvidos e ricos estados do País, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, todos governados pelo PSDB, e no Distrito Federal, durante a gestão do DEM, os recursos do SUS têm sido aplicados, ao longo dos últimos quatro anos, no mercado financeiro.
A manobra serviu aparentemente para incrementar programas estaduais- de choques de gestão, como manda a cartilha liberal, e políticas de déficit zero, em detrimento do atendimento a uma população estimada em 74,8 milhões de habitantes. O Denasus listou ainda uma série de exemplos de desrespeito à Constituição Federal, a normas do Ministério da Saúde e de utilização ilegal de verbas do SUS em outras áreas de governo. Ao todo, o prejuízo gerado aos sistemas de saúde desses estados passa de 6,5 bilhões de reais, sem falar nas consequências para seus usuários, justamente os brasileiros mais pobres.
As auditorias, realizadas nos 26 estados e no DF, foram iniciadas no fim de março de 2009 e entregues ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão, em 10 de janeiro deste ano. Ao todo, cinco equipes do Denasus percorreram o País para cruzar dados contábeis e fiscais com indicadores de saúde. A intenção era saber quanto cada estado recebeu do SUS e, principalmente, o que fez com os recursos federais. Na maioria das unidades visitadas, foi constatado o não cumprimento da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que obriga a aplicação em saúde de 12% da receita líquida de todos os impostos estaduais. Essa legislação ainda precisa ser regulamentada.
Ao analisar as contas, os técnicos ficaram surpresos com o volume de recursos federais do SUS aplicados no mercado financeiro, de forma cumulativa, ou seja, em longos períodos. Legalmente, o gestor dos recursos é, inclusive, estimulado a fazer esse tipo de aplicação, desde que antes dos prazos de utilização da verba, coisa de, no máximo, 90 dias. Em Alagoas, governado pelo também tucano Teotônio Vilela Filho, o Denasus constatou operações semelhantes, mas sem nenhum prejuízo aos usuários do SUS. Nos casos mais graves, foram detectadas, porém, transferências antigas de recursos manipulados, irregularmente, em contas únicas ligadas a secretarias da Fazenda. Pela legislação em vigor, cada área do SUS deve ter uma conta específica, fiscalizada pelos Conselhos Estaduais de Saúde, sob gestão da Secretaria da Saúde do estado.
O primeiro caso a ser descoberto foi o do Distrito Federal, em março de 2009, graças a uma análise preliminar nas contas do setor de farmácia básica, foco original das auditorias. No DF, havia acúmulo de recursos repassados pelo Ministério da Saúde desde 2006, ainda nas gestões dos governadores Joaquim Roriz, então do PMDB, e Maria de Lourdes Abadia, do PSDB. No governo do DEM, em vez de investir o dinheiro do SUS no sistema de atendimento, o ex-secretário da Saúde local Augusto Carvalho aplicou tudo em Certificados de Depósitos Bancários (CDBs). Em março do ano passado, essa aplicação somava 238,4 milhões de reais. Parte desse dinheiro, segundo investiga o Ministério Público Federal, pode ter sido usada no megaesquema de corrupção que resultou no afastamento e na prisão do governador José Roberto Arruda.
Essa constatação deixou em alerta o Ministério da Saúde. As demais equipes do Denasus, até então orientadas a analisar somente as contas dos anos 2006 e 2007, passaram a vasculhar os repasses federais do SUS feitos até 2009. Nem sempre com sucesso. De acordo com os relatórios, em alguns estados como São Paulo e Minas os dados de aplicação de recursos do SUS entre 2008 e 2009 não foram disponibilizados aos auditores, embora se tenha constatado o uso do expediente nos dois primeiros anos auditados (2006-2007). Na auditoria feita nas contas mineiras, o Denasus detectou, em valores de dezembro de 2007, mais de 130 milhões de reais do SUS em aplicações financeiras.
O Rio Grande do Sul foi o último estado a ser auditado, após um adiamento de dois meses solicitado pelo secretário da Saúde da governadora tucana Yeda Crusius, Osmar Terra, do PMDB, mesmo partido do ministro Temporão. Terra alegou dificuldades para enviar os dados porque o estado enfrentava a epidemia de gripe suína. Em agosto, quando a equipe do Denasus finalmente desembarcou em Porto Alegre, o secretário negou-se, de acordo com os auditores, a fornecer as informações. Não permitiu sequer o protocolo na Secretaria da Saúde do ofício de apresentação da equipe. A direção do órgão precisou recorrer ao Ministério Público Federal para descobrir que o governo estadual havia retido 164,7 milhões de recursos do SUS em aplicações financeiras até junho de 2009.
O dinheiro, represado nas contas do governo estadual, serviu para incrementar o programa de déficit zero da governadora, praticamente único argumento usado por ela para se contrapor à série de escândalos de corrupção que tem enfrentado nos últimos dois anos. No início de fevereiro, o Conselho Estadual de Saúde gaúcho decidiu acionar o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas do Estado e a Assembleia Legislativa para apurar o destino tomado pelo dinheiro do SUS desde 2006.
Ainda segundo o relatório, em 2007 o governo do Rio Grande do Sul, estado afetado atualmente por um surto de dengue, destinou apenas 0,29% dos recursos para a vigilância sanitária. Na outra ponta, incrivelmente, a vigilância epidemiológica recebeu, ao longo do mesmo ano, exatos 400 reais do Tesouro estadual. No caso da assistência farmacêutica, a situação ainda é pior: o setor não recebeu um único centavo entre 2006 e 2007, conforme apuraram os auditores do Denasus.
Com exceção do DF, onde a maioria das aplicações com dinheiro do SUS foi feita com recursos de assistência farmacêutica, a maior parte dos recursos retidos em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul diz respeito às áreas de vigilância epidemiológica e sanitária, aí incluído o programa de combate à Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Mas também há dinheiro do SUS no mercado financeiro desses três estados que deveria ter sido utilizado em programas de gestão de saúde e capacitação de profissionais do setor.
Informado sobre o teor das auditorias do Denasus, em 15 de fevereiro, o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista Júnior, colocou o assunto em pauta, em Brasília, na terça-feira 23. Antes, pediu à Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, à qual o Denasus é subordinado, para repassar o teor das auditorias, em arquivo eletrônico, para todos os 48 conselheiros nacionais. Júnior quer que o Ministério da Saúde puna os gestores que investiram dinheiro do SUS no mercado financeiro de forma irregular. "Tem muita coisa errada mesmo."
No caso de São Paulo, a descoberta dos auditores desmonta um discurso muito caro ao governador José Serra, virtual candidato do PSDB à Presidência da República, que costuma vender a imagem de ter sido o mais pródigo dos ministros da Saúde do País, cargo ocupa-do por ele entre 1998 e 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo dados da auditoria do Denasus, dos 77,8 milhões de reais do SUS aplicados no mercado financeiro paulista, 39,1 milhões deveriam ter sido destinados a programas de assistência farmacêutica, 12,2 milhões a programas de gestão, 15,7 milhões à vigilância epidemiológica e 7,7 milhões ao combate a DST/Aids, entre outros programas.
Ainda em São Paulo, o Denasus constatou que os recursos federais do SUS, tanto os repassados pelo governo federal como os que tratam da Emenda nº 29, são movimentados na Conta Única do Estado, controlada pela Secretaria da Fazenda. Os valores são transferidos imediatamente para a conta, depois de depositados pelo ministério e pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS), por meio de Transferência Eletrônica de Dados (TED). "O problema da saúde pública (em São Paulo) não é falta de recursos financeiros, e, sim, de bons gerentes", registraram os auditores.
Pelos cálculos do Ministério da Saúde, o governo paulista deixou de aplicar na saúde, apenas nos dois exercícios analisados, um total de 2,1 bilhões de reais. Destes, 1 bilhão, em 2006, e 1,1 bilhão, em 2007. Apesar de tudo, Alckmin e Serra tiveram as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado. O mesmo fenômeno repetiu-se nas demais unidades onde se constatou o uso de dinheiro do SUS no mercado financeiro. No mesmo período, Minas Gerais deixou de aplicar 2,2 bilhões de reais, segundo o Denasus. No Rio Grande do Sul, o prejuízo foi estimado em 2 bilhões de reais.
CartaCapital solicitou esclarecimentos às secretarias da Saúde do Distrito Federal, de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Em Brasília, em meio a uma epidemia de dengue com mais de 1,5 mil casos confirmados no fim de fevereiro, o secretário da Saúde do DF, Joaquim Carlos Barros Neto, decidiu botar a mão no caixa. Oriundo dos quadros técnicos da secretaria, ele foi indicado em dezembro de 2009, ainda por Arruda, para assumir um cargo que ninguém mais queria na capital federal. Há 15 dias, criou uma comissão técnica para, segundo ele, garantir a destinação correta do dinheiro do SUS para as áreas originalmente definidas. "Vamos gastar esse dinheiro todo e da forma correta", afirma Barros Neto. "Não sei por que esses recursos foram colocados no mercado financeiro."
O secretário da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, afirma jamais ter negado atendimento ou acesso à documentação solicitada pelo Denasus. Segundo Terra, foram os técnicos do Ministério da Saúde que se recusaram a esperar o fim do combate à gripe suí-na no estado e se apressaram na auditoria. Mesmo assim, garante, a equipe de auditores foi recebida na Secretaria Estadual da Saúde. De acordo com ele, o valor aplicado no mercado financeiro encontrado pelos auditores, em 2009, é um "retrato do momento" e nada tem a ver com o fluxo de caixa da secretaria. Terra acusa o diretor do Denasus, Luís Bolzan, de ser militante político do PT e, por isso, usar as auditorias para fazer oposição ao governo. "Neste ano de eleição, vai ser daí para baixo", avalia.
Em nota enviada à redação, a Secretaria da Saúde de Minas Gerais afirma estar regularmente em dia com os instrumentos de planejamento do SUS. De acordo com o texto, todos os recursos investidos no setor são acompanhados e fiscalizados por controle social. A aplicação de recursos do SUS no mercado financeiro, diz a nota, é um expediente "de ordem legal e do necessário bom gerenciamento do recurso público". Lembra que os recursos de portarias e convênios federais têm a obrigatoriedade legal da aplicação no mercado financeiro dos recursos momentaneamente disponíveis.
Também por meio de uma nota, a Secretaria da Saúde de São Paulo refuta todas as afirmações constantes do relatório do Denasus. Segundo o texto, ao contrário do que dizem os auditores, o Conselho Estadual da Saúde fiscaliza e acompanha a execução orçamentária e financeira da saúde no estado por meio da Comissão de Orçamento e Finanças. Também afirma ser a secretaria a gestora dos recursos da Saúde. Quanto ao investimento dos recursos financeiros, a secretaria alega cumprir a lei, além das recomendações do Tribunal de Contas do Estado. "As aplicações são referentes a recursos não utilizados de imediato e que ficariam parados em conta corrente bancária." A secretaria também garante ter dado acesso ao Denasus a todos os documentos disponíveis no momento da auditoria.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Sobre o poder deliberativo dos Conselhos de Saúde

FLAVIO GOULART [1][1]

A participação social na área da saúde tem especificidades marcantes pelo seu caráter democratizante, que denotariam o avanço da saúde em relação a outras áreas de governo. Mas, se há avanços, há também dilemas não resolvidos, por exemplo, a promoção de falsas expectativas nos participantes dos conselhos de saúde, relativas a um suposto poder efetivo e autônomo de decidir sobre a política de saúde.

Como apontei anteriormente[2][2], certas tendências preocupantes podem ser percebidas no cenário da participação social em saúde. São elas: (a) autonomização, levantando a expectativa social de que nos conselhos de saúde residiria, de fato e de direito, um quarto poder; (b) plenarização, mediante a transformação dos conselhos de saúde em meros fóruns de debates entre os diversos segmentos sociais, nem sempre com a participação do Estado, o qual, aliás, por definição normativa (e não propriamente legal), é fortemente minoritário; (c) parlamentarização, com formação de blocos ideológicos e partidários intra-conselhos e tomadas de decisão por votação, não por consenso; (d) profissionalização, dadas as fortes exigências da participação social, abrindo caminho para a constituição de verdadeiros profissionais da participação; (e) auto-regulação, que representa uma particularidade praticamente exclusiva da área da saúde.

A prerrogativa de deliberar, citada na Lei 8142/90, merece destaque especial. Segundo o dicionário Houaiss (2004), deliberar é verbo transitivo direto e indireto pronominal, que tem, entre suas acepções, decidir(-se), após reflexão e/ou consultas e ainda, empreender reflexões e/ou discussões sobre algo no intuito de decidir o que fazer.

Os fatos da vida real mostram que deliberação, na prática concreta dos conselhos de saúde, não se constitui exatamente como tomada de decisão autônoma e dotada de capacidade de produzir, por si só, transformações externas ao circuito onde foi gerada, enquadrando-se, talvez, na segunda acepção do dicionário (empreender reflexões e/ou discussões). Neste aspecto parece ocorrer grande distância entre a realidade, e mais ainda, entre o que dizem as leis e o que se depreende das práticas participativas reais do País, de um lado e, de outro, o pensamento (ou o desejo...) daqueles que estão imersos seja na formulação das idéias ou mesmo no cotidiano da participação social em saúde.

Com efeito, não é demais lembrar, a deliberação dos conselhos esbarra no dever da homologação por parte do Executivo, que tem fortes responsabilidades ditadas pelas leis e é submetido à vigilância do Legislativo, dos Tribunais de Contas e do Ministério Público, sob a égide, entre outros instrumentos legais e normativos, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Um aspecto particular da área da saúde é que a referência ao poder deliberativo está presente tanto nas atribuições dos conselhos como das conferências de saúde (Lei 8142). É mais uma variável na equação, criando uma situação de triplicidade, pois afinal, este poder seria atribuído não só às plenárias das conferências, mas aos conselhos e também ao Executivo, sendo este último o único que o detém, de fato e de direito. Cumpre-se, assim, uma jocosa observação do cientista social espanhol Manuel Castells: eu participo , tu participas, nós participamos... eles decidem.
Imagino que tal poder deliberativo, associado que é a um conceito e uma práxis de autonomia, seja uma espécie de relíquia leninista, devidamente trazida à luz pelos reformadores da saúde no Brasil, derivada da formulação original do poder operário e suas funções ao mesmo tempo legislativas e executivas.

O uso contínuo e reiterado das expressões deliberação e poder deliberativo e o que delas decorrem sem dúvida acarreta expectativas dos membros do jogo participativo, que não podem tomar decisões de fato, já que do outro lado da mesa elas não deverão, mas sim poderão (ou não) serem cumpridas – e isso é de direito. Considerando que agora a condução dos conselhos tende a não mais pertencer ao gestor do SUS, dá-se que a homologação do Executivo deixa de ser realizada como compromisso para ser exercida como mera concessão, pois que o organismo onde é gerada se coloca fora do Executivo, não mais como seu componente, embora os defensores da referida condução externa às vezes utilizem este mesmo argumento para defender sua capacidade de decidir e influir nas políticas, como, aliás, afirmou textualmente em 2007 o atual presidente do Conselho Nacional de Saúde, o farmacêutico e líder sindical Francisco Batista Jr.

Na verdade, o elenco de atribuições dos conselhos de saúde, já definido na Resolução 333 do CNS deixa claro que deliberar (tomar decisões que impliquem em mudanças no sistema de saúde) pode não ser exatamente o que se sonha, pois seus atributos se referem a formular, mobilizar, fiscalizar, auto-regular-se, discutir, opinar, propor, exercer visão estratégica etc., conforme se depreende da leitura da quinta diretriz do referido documento normativo. Assim, no que está escrito, não há grande diferença entre os conselhos de saúde e das demais áreas de governo; as grandes diferenças são simbólicas, relativas à maneira como os participantes dos conselhos de saúde encaram suas funções.

O próprio CNS, em documento de 2003 reconhece que deliberações relativas à formulação de estratégias que pertençam à alçada privativa do Gestor (grifo do autor) necessitam ser homologadas, mediante sua transformação em ato oficial de governo. Além disso, acrescenta-se que apenas a organização interna e as eventuais articulações com os outros conselhos, com o Poder Legislativo e com outras instituições da sociedade, devem estar incluídas na autonomia conciliar, não dependendo da homologação para se realizarem.

Depreende-se, aubda, que os conselhos de saúde não deveriam, também, se constituir como meros fóruns de debates, focados na ideologia, com aspirações de vir a ser um quarto poder, mas sim organismos de formulação, apoio e sustentação estratégica de políticas de interesse coletivo, necessariamente vinculados ao Estado.

Quando se fala em autonomia, paridade e poder deliberativo deve se reconhecer uma enorme distância seja por parte daqueles que participam efetivamente dos conselhos, em qualquer segmento, seja pelos que conceberam o modelo vigente, entre o idealizado e o real, ou entre o ideológico e o jurídico-administrativo. Tal disjunção acarreta prejuízos notáveis para as práticas de participação, que poderiam ser traduzidos por camuflagem, desperdício de energias e até mesmo certo transformismo, ou seja, aquilo que mostra o que não é, de fato.

Se o verdadeiro e final poder de deliberação é atributo do Executivo, como afirmam e reafirmam as leis, outras tarefas, também nobres, podem e devem ser assumidas pelos conselhos, de acordo com o que está referido na Resolução 333 do CNS: formular, mobilizar, fiscalizar, auto-regular-se, discutir, opinar, propor, exercer visão estratégica. Entre o ideológico e o jurídico, em suas formas puras, é possível encontrar uma terceira via, que ultrapasse aquele movimento ideológico, tão típico (e necessário) oriundo dos anos de arbítrio, para uma necessária evolução: a ação política em ambiente que deixa de ser de competição partidária e ideológica e de conspiração, passando a ser de construção solidária do bem comum.

Em suma, a participação social não é uma panacéia. Antes, representa um processo oneroso para o cidadão comum e costuma ser apropriada e mantida por determinados grupos sociais, como funcionários públicos, letrados, pessoas mais velhas, homens, militantes políticos. A participação social, contraditoriamente, pode ser também um instrumento antidemocrático. É preciso saber lidar com ela.

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FLAVIO GOULART
(61) 3368 1034 - 8133 3235

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[1][1] Médico. Doutor em Saúde Pública. Consultor autônomo em Saúde Pública. Membro fundador do CONASEMS. Ex-Professor Universitário (UFMG, UFU, UnB). E-mail: goulart.fa@gmail.com

[2][2] GOULART, FA. Dilemas da Participação Social em Saúde no Brasil. Revista Saúde em Debate – CEBES. Rio de Janeiro. Março 2010 (data prevista de circulação)

domingo, 31 de janeiro de 2010

Natureza Deliberativa dos Conselhos de Saúde

Gilson Carvalho

“LEI 8142 – ART.1º O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: I - a Conferência de Saúde; e II - o Conselho de Saúde. § 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo...”

Existe uma discussão recorrente sobre o caráter DELIBERATIVO DO CONSELHO DE SAÚDE. O termo deliberativo, por ser polissêmico, gera controvérsias infindáveis. Tenho tido muita preocupação com ele pois ao não se clarear em que sentido será tomado facilita posições extremadas. De um lado aqueles que não querem aceitar o caráter legal deliberativo do Conselho de Saúde e de outro aqueles que pretendem levar às últimas conseqüências defendendo que o Conselho possa mesmo executar ou decidir sobre toda e qualquer questão mesmo acima do já estabelecido em Lei, papel este não permitido nem ao Executivo, nem ao Legislativo, nem ao Judiciário. Exceto, claro o legislativo quando no exercício de sua função de modificar e criar leis.
Como uma e outra coisa são deletérias a esta instância constitucional de Participação da Comunidade, sempre senti necessidade de que se discutisse e se firmasse um melhor conceito sobre a questão. De outro lado sempre me preocupou a informação errada aos conselheiros, dando a eles a impressão de que tudo possam seguida da decepção quando descobrem que isto não é verdade.

No ano passado a COFIN – Comissão Permanente de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde – solicitou à mesa diretora um estudo jurídico sobre as possibilidades e limites do caráter deliberativo. A questão surgiu em decorrências de inobservância do Ministério da Saúde a deliberações envolvendo financiamento: PPA, LOA etc. O impasse, até hoje não resolvido, foi relativo à Farmácia Popular que, mesmo sendo inconstitucional, foi aprovada pelo Conselho e em conseqüência da aprovação implantada pelo Ministério. Por pressão externa cobrando a inconstitucionalidade praticada pelo Conselho (a deliberação impossível pois feria o princípio do ato público de só fazer o legal – Art.37 da CF) providenciou-se prontamente a “remoção do sofá da sala”. Esta se deu em acordo com o Ministério (igualmente praticante da ilegalidade) de que pelo menos não seria usado dinheiro da saúde (limite da EC-29). O que nunca foi cumprido levando a que além da INCONSTITUCIONAL QUEBRA DA GRATUIDADE (UNIVERSALIDADE), APROVADA PELO CONSELHO, INTRODUZINDO O CO-PAGAMENTO DENTRO DO SUS se rompesse com o acordo de cavalheiros ilegais de só usar dinheiro fora do SUS! Assim durante anos seguidos o Ministério subtrai dinheiro da universalidade para financiar a inconstitucional Farmácia Popular. Nada aconteceu e o Conselho ficou duplamente vendido. Daí mais uma vez a discussão da necessidade de aprofundar as possibilidades e limites do caráter deliberativo do Conselho. Jamais sua negação, mas sua profundidade e amplitude reais e não imaginárias, hipotéticas, visionárias.

Para atender às inúmeras demandas Brasil sobre o caráter deliberativo do Conselho de Saúde alguns quesitos deverão ser respondidos. Dentre os quais destaco os seguintes:

1) QUAL O SIGNIFICADO JURÍDICO DO TERMO DELIBERATIVO?
2) EM QUE QUESTÕES O CONSELHO DEVE OU PODE DELIBERAR?
3) QUAL A OBRIGATORIEDADE DO CUMPRIMENTO DO EXECUTIVO DAS DECISÕES DO CONSELHO?
4) QUAL MEDIDA DEVE TOMAR O CONSELHO DIANTE DO DESCUMPRIMENTO DE SUAS DELIBERAÇÕES PELOS EXECUTIVOS DE SUA ESFERA DE GOVERNO?

Em setembro de 2009, respondendo a demanda da COFIN, foi emitida a Nota Técnica 01-2009 do CNS que analiso abaixo. Lembro, para evitar patrulhamento prévio, que a NT não é dogma e não passa de uma nota técnica com toda possibilidade de ser criticada, para ser aprimorada. Usarei a abreviatura IOC-GC para introduzir meus comentários ao texto, o que significa: Interrogações, Observações, Comentários de Gilson Carvalho que é minha maneira usual de analisar textos.
IOC-GC: Uma primeira observação é que este texto provavelmente foi escrito por alguém pouco familiarizado com o Direito Sanitário. Também imagino que nem tenha passado pelo crivo de uma análise minuciosa de quem conviva com a legislação de saúde. Digo isto pela fundamentação primeira quando se usa o Decreto de 2006 para falar do caráter deliberativo do Conselho, quando ele apenas transcreve a frase lapidar do Art.1º da Lei 8142 (16 anos antes do Decreto) hierarquicamente superior ao Decreto e a única razão para que assim venha no Decreto. “LEI 8142 – ART.1º O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: I - a Conferência de Saúde; e II - o Conselho de Saúde. § 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo...” Mais à frente a NT chega a afirmar que a Lei de 1990 reitera o texto do Decreto de 2006!!!!
Nota Técnica nº 001/2009 – CNS - Em 02 de setembro de 2009.
Assunto: A Natureza Deliberativa e a Executoriedade das Decisões do Conselho Nacional de Saúde.

I. DO OBJETIVO

Trata a presente nota jurídica de parecer referente à natureza do Conselho Nacional de Saúde – CNS, o qual, como órgão público integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde, possui, de acordo com o Decreto n. 5.839/2006, poderes deliberativos e decisórios, homologados pelo Ministro de Estado da Saúde. IOC-GC: vide observação acima.

II. DOS FATOS
Conforme dispõe o artigo 1º do Decreto n. 5.839/2006, o Conselho Nacional de Saúde é um órgão deliberativo, ainda que para fazer valer suas resoluções necessite da chancela do Ministro da Saúde. Exatamente essa é a questão problemática quanto ao alcance das atribuições concedidas ao Conselho. IOC-GC: vide observação acima.
E o que se verá a seguir é justamente isso, pois é indiscutível que o Conselho Nacional de Saúde manifesta a vontade do Estado, na figura do referido Ministério, fazendo as vezes de órgão técnico em assuntos com competência legalmente constituída.


III. DA ANÁLISE E DO FUNDAMENTO LEGAL

Como já destacado, a natureza do Conselho Nacional de Saúde é de órgão deliberativo, e tal definição se faz explícita no art. 1º do referido Decreto n. 5.839/2006, de seguinte teor:
“Art. 1º O Conselho Nacional de Saúde – CNS, órgão colegiado de caráter permanente e deliberativo, integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde, é composto por representantes do governo, dos prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, cujas decisões, consubstanciadas em resoluções, são homologadas pelo Ministro de Estado da Saúde.”
Ora, como o próprio enunciado manifesta, o Conselho é um órgão deliberativo, ainda que para fazer valer suas resoluções necessite da chancela do Ministro da Saúde. Exatamente essa é a questão problemática quanto ao alcance das atribuições concedidas ao Conselho.
IOC-GC:. o importante seria definir este condicionante do deliberativo. É deliberativo mas, tem que ser homologado pelo executivo.

Efetivamente, caso o Ministro se negue a homologar alguma resolução, esta deverá ser encaminhada ao Conselho para mais uma vez deliberar sobre o conteúdo ou a forma da resolução, e só então ela será reenviada ao Ministro, tal como estabelece o Regimento Interno do Conselho Nacional de Saúde, verbis:

“Art. 58 A Resolução é ato geral, de caráter normativo.

§ 3° A Resolução aprovada pelo CNS que não for homologada pelo Ministro de Estado da Saúde, no prazo de até trinta dias após sua aprovação, deverá retornar ao Plenário do CNS na reunião seguinte, acompanhada de justificativa e proposta alternativa, se de sua conveniência, para avaliação do Pleno que poderá acatar as justificativas revogando, modificando ou mantendo a Resolução, que, nos dois últimos casos, será reencaminhada ao Ministro para homologação”.
Uma vez que ele novamente negue assinatura ao documento, cabe ao Conselho proceder com os devidos encaminhamentos, nos termos do artigo. 58, § 4°:
“Se novamente o Ministro de Estado da Saúde não homologar a Resolução, nem se manifestar sobre esta em até trinta dias após o seu recebimento, ela retornará ao Plenário do CNS para os devidos encaminhamentos.”
É indiscutível que o Conselho é órgão do Ministério da Saúde, e, como tal, manifesta a vontade do Estado, na figura do referido Ministério, fazendo as vezes de órgão técnico em assuntos com competência legalmente constituída, como se verá mais adiante. IOC-GC:repetido este parágrafo desnecessáriamente.
IOC-GC: o objeto de discussão não é o caráter homologatório, mas sim o deliberativo
Decerto, o Conselho Nacional de Saúde, em seu âmbito, é o instrumento destinado a dar eficácia ao Princípio da Participação Popular, plasmado nos arts. 194, VII e 198, III da Constituição Federal e no art. 7º, VIII da Lei n. 8.080/1990, verbis:
IOC-GC: o termo constitucional é o de PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE; nem participação popular, nem controle social.
“Art. 194, CF. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.”
“Art. 198, CF. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
III - participação da comunidade.”
“Art. 7º da Lei n. 8.080/1990. As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
VIII - participação da comunidade;”
Certamente, por ser o Conselho Nacional de Saúde um órgão colegiado – e esse colégio ser integrado por não somente representantes do governo, mas também por usuários do sistema público de saúde, dentre outros –, confere legitimidade ao plano de descentralização das ações e políticas de saúde, plano esse corporificado na criação do próprio Conselho e na conseguinte ampliação de suas competências.
Assim, configura-se com o Conselho o princípio da participação popular. IOC-GC: tão claro como está acima PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE não precisaria estar se usando outro termo menos adequado, por não ser o empregado pela CF e pela Lei.
Ademais, não se pode olvidar que esse Conselho é composto também por integrantes do governo e representantes de associações de classe, os quais assumem o papel de técnicos, isto é, de detentores de conhecimentos técnicos e políticos específicos para a gestão das atribuições e competências do CNS, razão porque não é arbitrada ao Ministro de Estado da Saúde a mera negativa de homologação às resoluções - atos normativos - do Conselho, salvo em situações excepcionais, devidamente justificadas e com proposta alternativa.
IOC-GC: de onde surge este termo representantes de associações de classes quando o termo legal é de PROFISSIONAIS DE SAÚDE? A denominação de associações de classe é ampla podendo abranger inúmeras áreas que não a de profissionais de saúde. Outra: se quiser lembrar este aspecto de competência técnica pressume-se que o outro componente do Conselho, o prestador de serviço de saúde também a tenha. Não colocaria este “políticos” pois seria um atributo comum a todos os conselheiros e não apenas a estes componentes.
Entende-se, então, que, ao não homologar as resoluções do Conselho Nacional de Saúde, Conselho esse dotado de força por ser um órgão deliberativo, o Ministro de Estado da Saúde pratica ato contrário à lei, violando o princípio constitucional da legalidade, de obrigatória obediência, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
É salutar trazer à baila os ensinamentos do sempre festejado Hely Lopes Meirelles: “A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil, criminal, conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao entendimento da lei.
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.
As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª. Ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1990, os. 82-83 – g.n.).
Daí o porquê das resoluções emanadas do Conselho Nacional de Saúde – órgão colegiado deliberativo – serem carregadas de legitimidade e força executória, vez que são legalmente estabelecidas e amparadas nos mais altos princípios constitucionais.
IOC-GC: Tem-se que fazer a explicação completa. O princípio administrativo da qualidade na administração pública, expresso no Art.37 pelo LIMPE tem outro caráter não lembrado aqui e de maior determinância.
O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DO 37 É MUITO MAIS A AFIRMAÇÃO DE QUE NADA SE PODE FAZER QUE NÃO SEJA AQUILO EXPRESSO NA LEI. O FATO DE QUE TUDO QUE FAZ A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA TEM CARÁTER DE LEGALIDADE É CONSEQUÊNCIA DE QUE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SÓ POSSA FAZER O QUE ESTEJA NA LEI E JAMAIS QUE O QUE ELA FAZ TEM FORÇA OU CARÁTER DE LEI. JAMAIS PODE FAZER ALGO ILEGAL. ASSIM TEM QUE FICAR CLARÍSSIMO AO ANALISAR O CARÁTER DELIBERATIVO DO CONSELHO QUE ELE NÃO PODE DELIBERAR SOBRE NADA QUE CONTRARIE A LEI. É O PRIMEIRO EMBARAÇO QUE A FALTA DE CLAREZA DO SENTIDO DO TERMO DELIBERATIVO TEM ENCONTRADO NOS CONSELHOS. MUITOS CONSELHOS QUEREM DELIBERAR SOBRE CONTRATAÇÃO DE PESSOAL, SALÁRIO, ALTERAÇÕES NO ORÇAMENTO ETC. TUDO ISTO PODE SER DELIBERADO NO ÂMBITO DO CONSELHO COMO ENCAMINHAMENTO E JAMAIS COMO EXECUÇÃO POIS TÊM QUE PASSAR PELO LEGISLATIVO, ONDE O CONSELHO NÃO TEM NENHUM PODER A NÃO SER O DE TENTATIVA DE CONVENCIAMENTO. AQUI ESTÁ UM DOS FULCROS NA QUESTÃO E QUE A MEU VER ESTÁ ABORDADO PELO INVERSO. O CONSELHO AO SER DO EXECUTIVO (É ÓRGÃO REGIMENTALMENTE COLOCADO DENTRO DO EXECUTIVO) ELE PODE DELIBERAR NAS QUESTÕES QUE ESTÃO NO ÂMBITO DO EXECUTIVO E JAMAIS NAS FUNÇÕES DO LEGISLATIVO E MUITO MENOS DO JUDICIÁRIO.

Portanto, não pode o Ministro de Estado da Saúde negar-se arbitrariamente a homologar as resoluções tomadas pelo colegiado que compõe o Conselho Nacional de Saúde, pois, como dito, o Conselho Nacional de Saúde se ampara nos princípios da legalidade e da participação popular, perfazendo o controle social e a participação direta da sociedade na gestão de ações relacionadas à saúde. É o exercício da cidadania com efetiva participação democrática.
IOC-GC: vide observações anterior sobre o uso dos termos.
Além disso, se o intento do Estado é a descentralização do próprio Estado, em consonância com todas as democracias modernas, e o CNS é essa tendência consubstanciada. Logo, o Conselho goza de prestígio, de real força, de maior poder, trabalhando com competências ampliadas para que possa ter eficácia, como sabiamente entendeu a autoridade promulgadora do Decreto n. 5.839/2006, no que se vê a seguir:
IOC-GC: aqui começa uma mistura que precisa sofrer separação.
Uma coisa é O CAMPO DE ATUAÇÃO DO CONSELHO E OUTRA AS QUESTÕES ONDE ELE DEVE OU PODE DELIBERAR. AS DUAS , POR VEZES PODEM SE SOBREPOR, MAS NEM SEMPRE ISTO IRÁ ACONTECER POIS DETERMINADAS ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS PODEM NÃO IMPLICAR EM OBJETOS DE DELIBERAÇÕES.
IOC-GC: aqui, ao definir os campos de atuação tem-se que CLARAMENTE começar pela CF e pela lei 8080 e depois 8142 e só depois ir ao Decreto. Está havendo esta omissão ou inversão desde o começo desta NT. Tem competência da máxima essencialidade expressa na CF-ADCT 77,3 e que nem consta do Decreto mesmo tendo sido feito seis anos após. Cadê a competência “acompanhar e fiscalizar o fundo”?

“Art. 2o - Ao CNS compete: I – atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da Política Nacional de Saúde, na esfera do Governo Federal, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros;
II – estabelecer diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde, em função das características epidemiológicas e da organização dos serviços;
III – elaborar cronograma de transferência de recursos financeiros aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, consignados ao Sistema Único de Saúde - SUS;
IV – aprovar os critérios e os valores para remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura de assistência;
V – propor critérios para a definição de padrões e parâmetros assistenciais;
VI – acompanhar e controlar a atuação do setor privado da área da saúde, credenciado mediante contrato ou convênio;
VII – acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporação científica e tecnológica na área de saúde, visando à observação de padrões éticos compatíveis com o desenvolvimento sócio-cultural do País; e
VIII – articular-se com o Ministério da Educação quanto à criação de novos cursos de ensino superior na área de saúde, no que concerne à caracterização das necessidades sociais.”
Resta absolutamente, portanto, claro que a natureza jurídica do Conselho Nacional de Saúde é a de um órgão deliberativo, e não meramente consultivo, porquanto as atribuições expressas no art. 2º se mostram carregadas de força executória, força essa emanada/delegada pelo decreto presidencial, e reiterada pelo legislador na Lei n. 8.142/1990.
IOC-GC: Esta conclusão do parágrafo nada tem a ver aqui. A existência do caráter deliberativo do Conselho não está em discussão. Nada do que se disse acima ajudou a firmar este conceito que está definido de forma clara, inequívoca na Lei 8080, art.1 par.2º. Nem isto seria o objeto desta nota técnica. O que se quer discutir são os outros quesitos em decorrência deste que já é preceito legal, que não está sendo colocado em jogo e só outra lei poderia modificá-lo. Competência esta do legislativo e não do Conselho. DELIBERATIVO É E SÓ SE MUDA ISTO POR OUTRA LEI.

IOC-GC: mais uma curiosidade interessante da frase grifada: a lei 8142 e 8080, LEIS E ANTERIORES DO DECRETO ESTÃO COLOCADAS COMO REITERANDO O TEOR DO DECRETO E NÃO AO CONTRÁRIO!!! O Decreto só pode reiterar o que está na Lei e jamais o inverso, principalmente quando houve precedência temporal – Lei de 1990 e Decreto de 2006.

Dentre as atribuições, destacam-se o atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da Política Nacional de Saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, o estabelecer diretrizes na elaboração dos planos de saúde, o elaborar cronograma de transferência de recursos financeiros aos entes federados e o aprovar critérios e valores para remuneração dos serviços e os parâmetros de cobertura de assistência.
IOC-GC: TEXTO DAS LEIS 8080 E 8142, COPIADAS NO DECRETO.
Ora, o enunciado desse artigo se faz evidente quanto às competências, vez que os termos utilizados no referido decreto carregam em si a força das atribuições que representam, isto é, os verbos componentes das sentenças de cada inciso são ativos, enérgicos, têm o seu sentido inteiro e literal presente no vocábulo, impossibilitando tergiversação no significado. Tais verbos, atuar, estabelecer, elaborar, aprovar, representam exatamente essa executoriedade reflexa ou oblíqua conferida pelo chefe do executivo.
Já o parágrafo 2º da Lei 8.142/1990 estabelece/delimita que “O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo”.
Ora, como se explicita da própria da lei, o órgão em questão é deliberativo, o que abarca seu caráter consultivo, manifestado nos substantivos formulação e execução do referido parágrafo, bem como no substantivo decisões, como se verá dos desdobramentos dessas implicações lingüísticas.
A lingüística, atendendo à finalidade primordial de compreender a comunicação do homem, serve também à interpretação teleológica da letra da lei, pois nos caracteres da língua estão insculpidos os intentos do legislador, sendo cada vocábulo cuidadosamente selecionado de todo um universo lexical, com o fito de direcionar sua exegese aos que lhe farão uso.
Essa é a razão porque se destacam os substantivos formulação e execução, entendidos como pontos fulcrais das atribuições do CNS. De acordo com o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, formulação é o “ato ou efeito de formular”, “o processo de criar e de dar forma a (uma idéia, uma teoria etc)”. Já a palavra execução significa “ato ou efeito de executar, de passar de projeto ao ato; realização”. Decisão, segundo o mesmo dicionário, é “resolução tomada após julgamento; juízo; sentença”.
IOC-GC: Atenção: a palavra execução não é relativa a ação do conselho, mas sim o controle da execução da política de saúde feita pelo executivo.
Ora, resta evidente que os termos acima conceituados têm em seu bojo a noção de ato, que é um fazer, um executar, um poder. Se tais vocábulos estão expressamente alinhavados no rol de competências por lei e por decreto atribuídas ao Conselho Nacional de Saúde, isso significa que a vontade da autoridade competente, no momento da feitura da lei, era justamente a de que o órgão em comento gozasse dessa força, qual seja, a de atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde, dentre outras competências.
Ademais, o legislador frisou que essa competência alcança “inclusive os aspectos econômicos e financeiros”, do que se depreende, mais uma vez, a influência do CNS, visto que validar questões relacionadas ao orçamento do Sistema Único de Saúde é competência comprovadora da importância e do peso do referido Conselho nas políticas públicas de saúde, como garante o art. 26 da Lei n. 8.080/1990:
“Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional de Saúde.”

IV. DA CONCLUSÃO
Por todo o exposto, resta evidenciado a natureza deliberativa do Conselho Nacional de Saúde, tendo suas atribuições e competências legalmente constituídas, literariamente expressas no decreto e na lei que o disciplinam, razão pela qual referido Conselho pode fazer valer suas resoluções, a despeito de negativa de homologação do Ministro de Estado da Saúde, com base nos princípios constitucionais da participação popular e da legalidade, perfazendo o controle social e a participação direta da sociedade na gestão de ações relacionadas à saúde. É o exercício da cidadania com efetiva participação democrática.
IOC-GC: aqui se confirma o equívoco da nota técnica.
Não se está em questionamento o CARÁTER DELIBERATIVO DO CONSELHO que resta definido em Lei e só pode ser mudado por outra lei. Nem tão pouco a questão homologatória que poderia até ser um complemento da discussão sobre os quesitos colocados acima. CONCLUO PELO INÓQUO E POR VEZES EQUIVOCADO DA NT, EM RESPONDER OS QUESITOS.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Controle Social: a paridade contra a democracia.

Flavio Goulart

A participação social em saúde no Brasil constitui um processo ainda em construção, sobre o qual uma visão crítica deveria ser, não apenas acolhida, mas também promovida, ao contrário da costumeira rejeição de alguns setores, que enxergam em tudo o germe da reforma da reforma. Penso que é necessário não apenas defender o SUS, mas, ao mesmo tempo, arejar o debate sobre o mesmo, questionando verdades estabelecidas, principalmente aquelas previsíveis e repetidas sem crítica. É dentro de tais pressupostos que explicito algumas considerações visando ao aprofundamento conceitual e, quiçá, o aprimoramento legal do conceito de paridade na participação social em saúde no Brasil, conforme disposto na Lei 8.142 (1990).

Examinando, como fizemos em trabalho anterior (Goulart, 2007), o conjunto dos conselhos de políticas sociais, dois aspectos saltam aos olhos. Primeiro, que paridade não chega a ser uma constante, podendo até mesmo ser deslocada em favor do pólo social, como acontece no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CNDES); segundo, ela não é, em nenhum caso, salvo o da saúde, auto-regulada.

A possível igualdade entre pares, registrada nos dicionários, é apenas apontada de forma genérica na lei 8.142, onde se fala de um órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, além da representação dos usuários paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos, não estabelecendo quotas para outros segmentos além dos usuários. Ressalte-se de passagem, por inusitada, definição recente do CNS no sentido de que gestores e prestadores devam dividir e se acomodar na mesma parcela de vagas, semelhante à parcela individual destinada aos trabalhadores e aos profissionais. Isso é algo sem dúvida surpreendente. Rejeição pura e simples à presença do Estado ou do governo nos conselhos? Luta ideológica que perdura sem evoluir para o estatuto de movimento social? Disputa sindical extemporânea?

Quando o mesmo princípio da paridade se aplica tanto a conselhos como a conferências, uma outra contradição se instala, pois existe uma grande distância entre uma coisa e outra, o bastante para que não se aplicasse o mesmo princípio de paridade nas duas situações. Com efeito, nada mais democrático do que a paridade dos usuários frente aos demais segmentos nos conselhos, o que potencialmente pode garantir uma dinâmica de checks & balances necessários para que o Estado ou as corporações não sobrepujem a parte mais fraca, o povo. Já as conferências têm outro significado. Elas constituem grandes eventos cívicos, verdadeiras tempestades de opiniões, nos quais a presença robusta e diversificada dos segmentos sociais é, mais do que necessária, desejável. Nas conferências, a vigência da paridade acarreta simplesmente a ampliação artificial, hipertrofiada e, sobretudo, antidemocrática das bancadas de gestores, de prestadores, de trabalhadores para que sejam alcançados os 50% lado respectivo, de forma a gerar um equilíbrio supostamente paritário de forças.

As conferências temáticas (Ciência e Tecnologia, Assistência Farmacêutica, Recursos Humanos e tantas outras) que consumiram as energias dos militantes do SUS nos últimos anos, usam o abusam do princípio da paridade. Nelas, a utilização pouco crítica do tal conceito de paridade tem provocado estragos, ao se conceder que decisões técnicas e dependentes de conhecimento especializado pudessem acontecer em clima de assembleísmo e suposto poder deliberativo e, por conseqüência, radicalização ideológica, com inegável triunfo do achismo.

Como se vê, a paridade também pode vir a conspirar contra a democracia…
Referências:

Brasil. Lei 8.142, 28/12/1990. Acesso 29/11/2009 em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8142.htm
Goulart, F. Poder deliberativo, paridade, autonomia: Dilemas da participação social em saúde no Brasil. Acesso em 29/11/2009 em http://www.idisa.org.br/site/download/DILEMASDAPARTICIPACAOSOCIAL.pdf