domingo, 30 de agosto de 2009

Sistemas europeus de saúde e o SUS.

A realização da oficina “Características de alguns sistemas de saúde quanto à universalidade e equidade no acesso” e o relatório produzido a partir dela “Comparação entre Sistemas de Serviços de Saúde da Europa e o SUS: pontos para reflexão da agenda da Atenção Básica” procuram comparar as realidades dos sistemas públicos de saúde europeus e o SUS.Além de Sílvio Fernandes da Silva, ex-Secretário Municipal de Londrina (PR) e ex-presidente do CONASEMS, a oficina, realizada durante o XXIV Congresso Nacional de Secretários Municipais de Saúde, realizado pelo CONASEMS, no Pará, teve como palestrantes as professoras e pesquisadoras Lígia Giovanella, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) e Eleonor Minho Conill, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).Oficina e ComparaçãoOs objetivos da Oficina foram compreender e comparar sistemas públicos de saúde com acesso universal, com ênfase em parâmetros assistenciais de oferta e utilização de serviços, organização do modelo de atenção à saúde e formas de financiamento.Para a elaboração do relatório foram colhidas informações das apresentações das palestrantes, de documentos distribuídos, dos debates entre os participantes e de dados coletados em órgãos de pesquisa.A comparação feita entre sistemas europeus e o SUS, apesar das diferenças sócio-econômicas, históricas e culturais dos países europeus e o Brasil, foi feita porque algumas variáveis são mais fáceis de serem comparadas entre países que têm acesso universal aos sistemas de saúde. O Brasil é um dos poucos países do continente americano com essa característica. “A comparação do SUS com os sistemas europeus é muito útil como ponto de reflexão. Eles têm uma história de décadas de construção de sistemas universais”, afirma Sílvio Fernandes da Silva.ResultadosDe acordo com o estudo, é possível perceber, na Atenção Básica, comparando os sistemas europeus e o SUS, uma grande diferença na organização e na gestão do cuidado da saúde. Na Europa, há maior preocupação em organizar o cuidado da atenção por vinculação do médico com usuários previamente registrados. O gerenciamento do cuidado é geralmente feito com a participação deste profissional. A Atenção Básica procura assumir a demanda da atenção à saúde no seu nível de competência, condicionando o acesso ao especialista. Para isso, há investimentos na formação do generalista, a forma de remuneração é vinculada à produtividade e à obtenção de melhores resultados, sendo possível atender a demanda e realizar atividades de prevenção e promoção da saúde no nível básico de atenção.Entre os resultados da oficina, destaca-se que, na Atenção Básica, os países europeus têm mais médicos por habitante do que no Brasil. Além disso, há maior produção de consultas médicas nas áreas básica e especializada. A proporção de médicos generalistas na Europa é bem superior à média brasileira. No SUS, a adscrição de usuários por médico é de 3.500 a 4.500 pacientes, bem superior à média encontrada nos países europeus, de 1.030 a 2.500 pacientes, e a remuneração dos médicos, mesmo nos países com menor faixa salarial, é maior do que a praticada no SUS. No SUS, ainda há grande rotatividade de profissionais que atuam na Atenção Básica. A cobertura assistencial pública nos países europeus chega a quase 100%, enquanto que, no Brasil, o sistema público cobre 75%. As taxas de internação e o número de leitos por habitante também são bem superiores. A porcentagem dos gastos públicos em relação aos gastos totais também é bem maior na Europa do que no Brasil.“Na Europa, proporcionalmente, há mais médicos na Atenção Básica que no Brasil e, além disso, há mais generalistas. Este é um desafio que precisamos enfrentar. Para isso, são necessárias políticas que incentivem o aumento do número de médicos generalistas no Brasil”, explica Silva.Ponto positivoPara o ex-presidente do CONASEMS, um ponto positivo é que o SUS dá ênfase ao multiprofissionalismo. “Na Europa, os sistemas são organizados tendo o médico como figura central. Já no SUS, o papel dos enfermeiros, odontólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas e outros profissionais da saúde é muito importante na organização do serviço de saúde, e isso é um avanço”, salienta. O modelo almejado no SUS não é médico-centrado. Tanto na Saúde da Família quanto nas UBS tradicionais, preconiza-se o trabalho multiprofissional e interdisciplinar, na perspectiva da integralidade e equidade na atenção. Na prática, porém, há um conflito entre o que se pretende e o que efetivamente acontece. No SUS, o modelo tende a ser médico-centrado devido à hegemonização na cultura das organizações de saúde e da própria população. Há dificuldade em organizar o trabalho em equipe multiprofissional no SUS, pois não há consolidação do modelo de atenção que integre a clínica com as outras ações de saúde, na perspectiva da integralidade da atenção. Além disso, há oferta insuficiente de médicos, sobretudo para exercer a função de generalista e gerenciador do cuidado.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

domingo, 23 de agosto de 2009

Filme: O caminhar da reforma sanitária.

Clique: http://www.youtube.com/watch?v=yC8IVbv_eIE e assista o filme:
O caminhar da reforma sanitária.....

sábado, 22 de agosto de 2009

Regulamentação da EC 29 - Em defesa de recursos suficientes para a saúde

Gilson Carvalho

1. A EC-29 de setembro de 2000 determinou que a cada cinco anos se regulamentasse seu teor, em relação aos valores devidos pela União, Estados e Municípios para a saúde. Se não houvesse regulamentação neste período, permaneceria a mesma sistemática de cálculo.
2. Desde 2003 tramita o PLP 01-2003 do Dep. Roberto Gouveia com o intuito de fazer esta regulamentação. Este PLP foi aprovado na Câmara e remetido ao Senado, mas como ele foi aprovado contendo os recursos da CPMF e a CPMF foi reprovada no Senado, ele deixou de ser viável pois, seu teor baseava-se nos recursos da CPMF.
3. Desde 2007 tramita o PLS do Senador Tião Viana que definiu os mesmos percentuais de recursos próprios de Estados e Municípios e 10% da Receita Corrente Bruta da União escalonado em 4 anos (8,5;9;9,5;10). Aprovado no Senado em 2008 foi encaminhado à Câmara como PLS 121.
4. A Câmara apresentou seu substitutivo voltando a proposta de manter a atual forma de cálculo dos recursos (recurso empenhado no ano anterior, aplicada a variação nominal do PIB entre os dois últimos anos anteriores) só que acrescido dos recursos de uma nova Contribuição Social a ser criada nos moldes da CPMF, agora denominada de Contribuição Social para a Saúde e na alíquota de 0,10 % e não mais dos 0,38%.
5. Este projeto na verdade um substitutivo ao PLS 121 enviado pelo Senado encontra-se na Câmara na dependência de votação de um destaque. Aprovado este destaque invalida-se o projeto pois, inviabiliza a criação da CSS e sem CSS retorna-se à situação atual sem nenhum acréscimo de dinheiro para a saúde. Se rejeitado este destaque o projeto da Câmara cria a CSS para a Saúde.
6. Este projeto é encaminhado ao Senado como substitutivo ao seu e o Senado pode rejeitá-lo no todo ou em parte e o encaminha ao Presidente para sancionar.
7. A criação da Contribuição Social para a Saúde constante do PLP é na alíquota de 0,10% da movimentação financeira. Baseado nos últimos valores arrecadados pela CPMF em 2007 ela representou 1,433% do PIB. Aplicando este mesmo percentual ao PIB esperado para este ano de 2009 teríamos uma arrecadação de R$11,62 bi para cada alíquota de 0,10%.
8. Como última observação há quem considere que nesta altura da tramitação destes projetos pouco ou nada se possa fazer, senão vejamos: a) o substitutivo em votação na Câmara não pode sofrer nenhuma alteração, pois está na fase de votação do último destaque; b) aprovado, sem ou com CSS, vai ao Senado que só poderá mexer naquilo que a Câmara mexeu pois não tem mais seu projeto original em tramitação, mas apenas o substitutivo da Câmara; c) restaria ao Senado apenas a possibilidade de mexer no projeto que veio em 2007 da Câmara que é a versão de Guilherme Menezes e que, se alterado, deveria voltar à Câmara de onde se originou.

9. ABAIXO DEMONSTRO VÁRIAS SIMULAÇÕES DE VALORES DA CSS (CPMF), NA DEPENDÊNCIA DA OPÇÃO POLÍTICA DE SE PROPOR A SUA CRIAÇÃO.

A ESTIMATIVA DE CPMF SE VIGENTE EM 2009 SERIA DE CERCA DE R$ 44,11 NA ALÍQUOTA DE O,38% DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA ; SE 0,30% (R$34,82 BI); SE 0,20 %(R$23,64 bi); SE 0,10%(R$ 11,62bi); SE 0,02%(2,32 bi).

HIPÓTESES:

a) CRIAÇÃO DA CSS EXCLUSIVAMENTE PARA DESPESAS EM SAÚDE À RAZÃO DE 0,10% (R$11,62 BI) DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA SENDO 0,04% (R$4,65 BI) PARA A UNIÃO E 0,06% (R$6,97 BI) DESTINADO A ESTADOS E MUNICÍPIOS. (Em 12/8/2009 o MS apresentou ao Conselho Nacional de Saúde a proposta orçamentária para 2010 onde colocou a CSS como receita condicionada com a estimativa de arrecadação de R$12,5 bi com a alíquota de 0,10% da movimentação financeira, sendo 40% (R$5 bi) para o Ministério da Saúde e 60% (R$7,5 bi) para Estados e Municípios.)
b) CRIAÇÃO DA CSS EXCLUSIVAMENTE PARA DESPESAS EM SAÚDE À RAZÃO DE 0,12% (R$13,94 BI)DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA SENDO 0,10 (R$11,62%)PARA A UNIÃO COM MAIS 0,02% (R$2,32BI) DESTINADO AOS MUNICÍPIOS.
c) CRIAÇÃO DA CSS EXCLUSIVAMENTE PARA DESPESAS EM SAÚDE À RAZÃO DE 0,20% (R$23,64 BI)DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA SENDO 0,10 (R$11,62%)PARA A UNIÃO COM MAIS 0,10% (R$11,62BI) DESTINADOS AOS MUNICÍPIOS.
d) CRIAÇÃO DA CSS EXCLUSIVAMENTE PARA DESPESAS EM SAÚDE À RAZÃO DE 0,30% (R$34,82 BI)DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA SENDO 0,10 (R$11,62%)PARA A UNIÃO; 0,10% (R$11,62BI) DESTINADOS AOS ESTADOS; 0,10% (R$11,62BI) DESTINADOS AOS MUNICÍPIOS

A TRANSFERÊNCIA DIRETA E AUTOMÁTICA DESTES RECURSOS, NA MESMA FORMA DO FPE E FPM, SE DARIA DESDE QUE ESTADOS E MUNICÍPIOS CUMPRISSEM COM OS MÍNIMOS CONSTITUCIONAIS DE SEUS RECURSOS PRÓPRIOS DESTINADOS À SAÚDE.

CONCLUINDO:

Devemos todos nos unir em defesa da URGENTE REGULAMENTAÇÃO DA EC-29 que pode aumentar recursos para a saúde e aprimorar definições do que sejam e que não sejam ações de saúde evitando-se perda de recursos por uso indevido do dinheiro da saúde. Além disto melhora a transparência e visibilidade do sistema permitindo maior controle institucional e social.

ANEXO:

PMDB e PT apoiam criação de nova CPMF
Em momento de queda na arrecadação de tributos federais, o PMDB, maior partido do Congresso e principal aliado do governo, decidiu apoiar a recriação da CPMF, batizada agora de CSS (Contribuição Social para a Saúde), informa reportagem de Maria Clara Cabral, com colaboração de Ângela Pinho, para a Folha. Nesta quarta-feira, em reunião com o ministro José Gomes Temporão (Saúde) no Congresso, a bancada peemedebista fechou questão favorável ao término da votação do projeto que regulamenta a emenda constitucional 29, destinando mais recursos para a saúde e que ao mesmo tempo cria a CSS, com alíquota de 0,1%. Agora, o discurso oficial do PMDB é que a saúde precisa de mais recursos devido à gripe suína. O compromisso, que também conta com o apoio também do PT, é votar a proposta no máximo até setembro na Câmara. Reportagem completa na Folha desta quinta-feira 20-8-2009.

Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser divulgado independente de outra autorização. Textos do autor disponíveis no site www.idisa.org.br - Contato: carvalhogilson@uol.com.br.]

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O SUS e os contornos jurídicos da integralidade da atenção à saúde

Justificar
Lenir Santos*

Nenhum sistema de saúde público sem organização, parâmetros, critérios epidemiológicos, protocolos de conduta, regulamentos técnicos, critérios de incorporação de tecnologia e limites de gastos dará conta de atender à demanda ofertada na sociedade, cada dia mais sofisticada e que poderá, muitas vezes, ter muito mais a ver com interesses financeiros do que com interesses humanísticos.
Todavia, não podemos ter a ingenuidade de acreditar que os governos também não tentam mitigar o direito à saúde mediante diversos subterfúgios. Por isso, não podemos perder de vista os dois lados da moeda nos pleitos da saúde:
a) as evasivas de governos inconseqüentes que tentam desprover de conteúdo os direitos sociais, priorizando políticas que os esvaziam de sua qualificação constitucional. Contra isso, na saúde, temos como ponto de partida o disposto na EC 29, que vincula percentuais mínimos para a saúde e que devem ser cumpridos sem maquiagem e outros artifícios e outros ditames legais e constitucionais; [Na Folha de S.Paulo do dia 4/6/2006, Jânio de Freitas, em sua coluna, com muita propriedade, descreve alguns fatores de condicionam e interferem com a saúde, sem, contudo ser responsabilidade do setor saúde a sua realização. Muito pertinente a crítica ao governo Lula, que incluiu ações, como o Bolsa-Família, nas despesas com saúde com o único fim de tentar maquiar os gastos com saúde, em razão dos recursos mínimos que a Constituição impõe aos entes federados.] e
b) os excessos que as pessoas pretendem para si — em absoluto desrespeito ao interesse coletivo — que são, muitas vezes, reforçados por ordens judiciais que interferem e atrapalham o planejamento da saúde. Contra isso, somente o bom senso de juízes e promotores poderá minimizar a demanda por medicamentos e procedimentos complementares de pessoas que escolheram o sistema privado e pleiteiam do SUS serviços complementares, sem obrigar-se a respeitar sua normatividade; ou, ainda, de pessoas que, mesmo estando no SUS, pretendem medicamentos e procedimentos que estão fora de protocolos e regulamentos técnicos fundados em conhecimentos científicos atualizados.
Por fim, o Poder Judiciário na saúde poderá ser um grande aliado contra os abusos e as evasivas do Executivo, mas não pode decidir quanto gastar nem como gastar, uma vez que isso já está definido em leis, sendo essa competência do Legislativo e do Executivo. Não tem o Judiciário legitimidade para alterar leis orçamentárias, percentuais de tributos vinculados, critérios legais do planejamento da saúde. Quanto gastar, a EC 29 já o diz; em que gastar, o art. 200 da CF, de maneira mais abrangente, e a Lei nº 8.080, em seus arts. 6º, 7º/VII, 35º, 36º e 37º já o fazem.
Qualquer demanda judicial da saúde deve ver respondidas algumas questões, como:
• Qual o conteúdo dos planos de saúde discutidos e aprovados nos conselhos de saúde (representação da sociedade na definição da política de saúde local, estadual e nacional)? Estão sendo cumpridos?
• Quais as reais responsabilidades do ente federado no âmbito dos pactos de gestão [Portaria MS nº 399, de 22/2/06]— documento definidor, entre os entes federados, de suas responsabilidades com a saúde? Estão sendo cumpridas?
• Há compatibilidade da política de saúde com as disponibilidades de recursos financeiros, conforme recursos mínimos derivados dos percentuais previstos na EC 29 (15% para os municípios, 12% para os estados e valores iguais aos do ano anterior, acrescidos da variação do PIB, para a União)? A EC 29 está sendo cumprida?
• O paciente escolheu o sistema público de saúde, com todas as suas nuances organizativas, técnicas, principiológicas etc.?
• A terapêutica prescrita pelo profissional público de saúde está em conformidade com os regulamentos técnicos, os critérios epidemiológicos, os protocolos de conduta, a tecnologia admitida, a padronização de medicamentos do SUS?
• Esses regulamentos estão sendo periodicamente revistos, a fim de manter a necessária (de acordo com o critério epidemiológico) atualização técnico-científica?
As decisões judiciais, quando desbordam de sua competência, interferem de forma negativa na organização e implementação do SUS, colocando em risco o princípio da igualdade, uma vez que aqueles que recorrem ao Judiciário podem ser mais beneficiados do que aquele que adentrou o SUS voluntariamente, além de poder estar atendendo, de maneira indireta, demanda das indústrias de medicamentos.
Ao Judiciário compete coibir os verdadeiros abusos das autoridades públicas na saúde, não deixando nunca de analisar se estão sendo aplicados recursos financeiros de acordo com os percentuais mínimos constitucionais; se a execução dos serviços se funda em critérios epidemiológicos, técnicos e científicos; se mantém as unidades de saúde abastecidas de todos os medicamentos da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e se a revê periodicamente, fundada em dados científicos etc.
Esses fatos qualificam verdadeiramente o sistema público de saúde, inibindo omissões das autoridades públicas e interesses individuais que poderão implodir o sistema público de saúde que deve ser solidário e cooperativo por excelência.

Radis nº 49 – Setembro de 2006

* Advogada, especialista em direito sanitário pela USP, procuradora aposentada da Unicamp; este texto é a Conclusão do artigo, cuja íntegra está no site do RADIS, seção Exclusivo para a Web (
www.ensp.fiocruz.br/radis/web/49/web-02.html)