domingo, 28 de fevereiro de 2010

Os particos políticos não podem ter representação formal como partido político no Conselho de Saúde

Gilson Carvalho[1]

Os partidos políticos podem pleitear vaga nos Conselhos de Saúde? Minha pronta resposta sempre será que OS PARTIDOS POLÍTICOS NÃO PODEM TER REPRESENTAÇÃO NOS CONSELHOS DE SAÚDE COMO UM SEGMENTO DE PARTIDOS POLÍTICOS.
Cuidado para que não me demonizem. Não se trata de vedação a pessoas que – representando qualquer outro segmento ou entidade – tenham e professem uma fé política com filiação partidária. NADA CONTRA A MILITÂNCIA POLÍTICA PARTIDÁRIA DE TODO E QUALQUER CIDADÃO. ELA É SALUTAR E DEVE SER ESTIMULADA! A polêmica discussão é se devam ter nos Conselhos de Saúde vagas específicas para representantes dos partidos políticos: representação dos partidos da situação? Dos partidos da oposição? Dos de direita ou de esquerda? Repito: NADA CONTRA A PRESENÇA DE PESSOAS COM CONFISSÕES POLÍTICAS PARTIDÁRIAS. A MEU VER, MAS, TUDO CONTRA REPRESENTAÇÕES FORMAIS DE PARTIDOS POLÍTICOS.
Lembro que a vedação à presença de PARLAMENTARES E DE SEUS ASSESSORES, parece ter uma motivação semelhante, mas tem outra razão de ser. Outro motivo inquestionável que é a independência dos poderes. Em órgão do executivo é constitucionalmente vedada a presença de alguém do legislativo.
Aí vem o mais difícil: qual o argumento de vedação à presença dos partidos políticos no governo? Realmente não encontrei na legislação nenhum argumento explícito que vede a presença nos Conselhos de representantes dos partidos políticos na cota dos usuários pois na dos outros segmentos (governo, prestadores, profissionais) não se enquadraria.
Meu argumento mais forte tem como base a lei 8142. Esta lei cria oficialmente os Conselhos de Saúde e tratam de sua composição. Coloca em clareza meridiana a contraposição entre usuários de um lado e governo, prestadores e profissionais de outro. É isto que ela quis que se fizesse exigindo, inclusive, a paridade entre um e outro lado. Caso contrário não haveria oposição de partes. Haveria uma discriminação odiosa, uma assimetria indesejável, se os usuários (que não fossem governo, prestadores ou profissionais) não pudessem fazer parte daquele grupo e os daquele grupo pudessem passear no lado dos usuários! Seria a dominância dos mais fortes.
No fundo, a oposição das partes no Conselho se faz entre os PROVEDORES DE AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE (GOVERNO, PRESTADORES E PROFISSIONAIS) e de outro lado os CIDADÃOS EM SUA CONDIÇÃO DE USUÁRIOS. Quando se faz uma categorização qualquer, as categorias têm que ser mutuamente excludentes: você não pode colocar as partes indiferentemente de um lado e outro. Além deste problema de ordem legal e jurídica teríamos um problema de ética e de moral ao permitir que os segmentos governo, prestadores e profissionais pudessem ocupar o lugar de usuários. No Conselho é exatamente a representação destes segmentos (governo, prestadores e profissionais) que está em posição contraposta a de um usuário. Sua competência e responsabilidade é a de provedor (ainda que transitório) das ações e serviços de saúde. Por mais que se queira que os usuários sejam ativos, participantes, protagonistas nas ações de saúde, existem papéis extremamente distintos entre os dois grandes grupos.
No Estado de São Paulo existe, desde 1995 , na Lei 791, do ex-deputado Roberto Gouveia, o médico sanitarista grande formulador das leis paulistas de saúde, a vedação formal de que representem usuários os que tenham: vínculo, dependência econômica e comunhão de interesses com o governo, prestadores e profissionais. Aí tem a confirmação explícita e legal que não se podem confundir os dois lados. Vejamos na íntegra: “Lei 791-1995-SP Art.68 - Para garantir a legitimidade de representação paritária dos usuários, é vedada a escolha de representantes dos usuários que tenha vínculo, dependência econômica ou comunhão de interesse com quaisquer dos representantes dos demais segmentos integrantes do conselho.”
Mas, o que teria esta compreensão (preceito explícito legal em São Paulo) com a vedação à presença formal dos partidos políticos (não de cidadãos partidários, filiados a partidos políticos) no Conselho? Simples, o partido político do Prefeito, Governador ou Presidente não pode representar usuários pois, tem evidente vínculo e comunhão de interesse com o Governo. Se não pode um lado, seria insano que o lado oposto pudesse estar presente. Representação impossível dos partidos aliados e representação, dos demais partidos, possível e legítima?
Outro argumento é de que o lócus de atuação dos partidos políticos é na política geral, em cargos eletivos no Executivo e no Legislativo. Nos conselhos, de saúde e outros, a representação é de outros segmentos bem definidos e das entidades que os representem. Os partidos políticos defendem as partes que representam enquanto nos conselhos deva existir a política de representação do todo, sempre sob um critério que não seja o da política partidário. O lócus da representação dos partidos políticos é a chefia do executivo e seus comissionados e o do legislativo na Câmara ou na Assembléia.
Acho que o maior argumento seria o de que na conta dos usuários não devem estar categorias profissionais nem nenhuma outro tipo de representação específica, como os Partidos Políticos que tem por finalidade fazer política partidária. Os conselhos devem representar o mais livremente possível a sociedade, a comunidade, o bairro, o distrito. Partido Político tem fins específicos que não tem nada a ver com usuário da saúde; seu papel é fazer política partidária e o conselho não é lugar para isso.
A idéia e proposta dos Conselhos e suas representações de usuários é exatamente buscar entre estes os segmentos que mais representem interesses ligados especificamente a cada uma das áreas. No caso da saúde, no art. 194 tem a exigência de que pelo menos façam parte do Conselho os representantes dos empregados, dos empregadores e dos aposentados.
Por sua vez os partidos políticos são o lócus de geração de parlamentares e seus assessores que exercem funções que derivam de sua filiação partidária ou de sua vinculação política ao mandato eletivo cujos espaços privilegiados de atuação são o parlamento e a sociedade, sendo estes os instrumentos de sua fiscalização do executivo e não os colegiados de democratização da gestão no SUS, como os conselhos de saúde.
Cria-se aqui um outro argumento correlato: os partidos políticos ou exercem o poder ou o controlam no parlamento: como poderiam eles próprios estarem dentro de um Conselho, representando usuários que são os controladores da ação do legislativo e do executivo? Executivo e parlamento é local exclusivo dos partidos. Ninguém pode invadir seu espaço nem usurpar-lhe este poder. Os conselheiros de saúde, indicados pelos partidos políticos já estão dentro da representação do GOVERNO, nos conselhos. Aqueles partidos que são de oposição ao executivo terão seu espaço claramente definidos dentro do legislativo. Não caberia a eles outro espaço que é o dos profissionais, dos prestadores, dos usuários do Sistema Único de Saúde, além do Governo. Somos todos usuários, sim, mas aqui, além da presença obrigatória dos empregados, empregadores e aposentados pode-se e deve-se buscar outros segmentos que representem os interesses dos usuários no campo da saúde. Nem sempre todos os partidos políticos têm flexibilidade e independência necessária na análise das necessidades de saúde, seus condicionantes e determinantes e consequentemente nas proposições de soluções. Nem tudo de que parece transbordar democracia, sempre a pratica. Têm se mostrado altamente deletérias, dentro dos conselhos de saúde, as partidarizações: política, profissional, de pacientes e portadores de deficiência, de prestadores e até dos governos.
Vale lembrar que a mesma situação se aplica aos demais conselhos do Executivo. A presença ou mesmo pleito de presença, dos partidos políticos, não existe nos demais conselhos: educação, assistência social, mulher, segurança, idoso, criança e adolescente etc. etc. Por analogia, também fica indefensável no de saúde.
Não posso esquecer-me da história. A luta pelo direito à saúde foi feita por inúmeros cidadãos, filiados a partidos políticos. Muitos dos defensores da saúde pública, integral e universal, fizeram parte daqueles cidadãos brasileiros perseguidos pela ditadura militar por confissão partidária. A defesa ferrenha da saúde foi assumida por partidos políticos e seus filiados até se conseguir colocá-la no texto da CF de 1988 e depois em sua regulamentação pelas Leis 8080 e 8142.
Estou colocando este texto à avaliação aberta em busca de outras contribuições em defesa da tese de que, nos Conselhos de Saúde, não haja representação formal, oficial, como segmento, dos partidos políticos. Enfatizo: nada, absolutamente nada, contra a presença de cidadãos filiados e militantes de partidos políticos como é uma prática desejável de cidadania!

OBSERVAÇÃO: AGRADEÇO DE PÚBLICO A OPINIÃO DE GRANDES AMIGOS MEUS QUE CONTRIBUÍRAM COM IDÉIAS PARA QUE ESTE TEXTO NÃO SIGNIFICASSE APENAS OPINIÕES MINHAS PESSOAIS. COLOQUEI NA RODA E, OS OUVIDOS, CONCORDARAM E REFORÇARAM A ARGUMENTAÇÃO DESTA IMPOSSIBILIDADE DE PARTIDOS POLÍTICOS FAZEREM PARTE FORMAL DE UM SEGMENTO DO CONSELHO.

Auditoria nas contas do SUS.


CONVERSA AFIADA - PAULO HENRIQUE AMORIM


SAIU NA CARTA CAPITAL - 26/02/2010


SP, MG, RS e DF usam repasse do SUS para equilibrar orçamento - REMÉDIO POR JUROS Leandro Fortes


Auditoria aponta que governos de SP, DF, MG e RS usaram recursos do SUS para fazer ajuste fiscal

Sem alarde e com um grupo reduzido de técnicos, coube a um pequeno e organizado órgão de terceiro escalão do Ministério da Saúde, o Departamento Nacional de Auditorias do Sistema Único de Saúde (Denasus), descobrir um recorrente crime cometido contra a saúde pública no Brasil. Em três dos mais desenvolvidos e ricos estados do País, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, todos governados pelo PSDB, e no Distrito Federal, durante a gestão do DEM, os recursos do SUS têm sido aplicados, ao longo dos últimos quatro anos, no mercado financeiro.
A manobra serviu aparentemente para incrementar programas estaduais- de choques de gestão, como manda a cartilha liberal, e políticas de déficit zero, em detrimento do atendimento a uma população estimada em 74,8 milhões de habitantes. O Denasus listou ainda uma série de exemplos de desrespeito à Constituição Federal, a normas do Ministério da Saúde e de utilização ilegal de verbas do SUS em outras áreas de governo. Ao todo, o prejuízo gerado aos sistemas de saúde desses estados passa de 6,5 bilhões de reais, sem falar nas consequências para seus usuários, justamente os brasileiros mais pobres.
As auditorias, realizadas nos 26 estados e no DF, foram iniciadas no fim de março de 2009 e entregues ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão, em 10 de janeiro deste ano. Ao todo, cinco equipes do Denasus percorreram o País para cruzar dados contábeis e fiscais com indicadores de saúde. A intenção era saber quanto cada estado recebeu do SUS e, principalmente, o que fez com os recursos federais. Na maioria das unidades visitadas, foi constatado o não cumprimento da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que obriga a aplicação em saúde de 12% da receita líquida de todos os impostos estaduais. Essa legislação ainda precisa ser regulamentada.
Ao analisar as contas, os técnicos ficaram surpresos com o volume de recursos federais do SUS aplicados no mercado financeiro, de forma cumulativa, ou seja, em longos períodos. Legalmente, o gestor dos recursos é, inclusive, estimulado a fazer esse tipo de aplicação, desde que antes dos prazos de utilização da verba, coisa de, no máximo, 90 dias. Em Alagoas, governado pelo também tucano Teotônio Vilela Filho, o Denasus constatou operações semelhantes, mas sem nenhum prejuízo aos usuários do SUS. Nos casos mais graves, foram detectadas, porém, transferências antigas de recursos manipulados, irregularmente, em contas únicas ligadas a secretarias da Fazenda. Pela legislação em vigor, cada área do SUS deve ter uma conta específica, fiscalizada pelos Conselhos Estaduais de Saúde, sob gestão da Secretaria da Saúde do estado.
O primeiro caso a ser descoberto foi o do Distrito Federal, em março de 2009, graças a uma análise preliminar nas contas do setor de farmácia básica, foco original das auditorias. No DF, havia acúmulo de recursos repassados pelo Ministério da Saúde desde 2006, ainda nas gestões dos governadores Joaquim Roriz, então do PMDB, e Maria de Lourdes Abadia, do PSDB. No governo do DEM, em vez de investir o dinheiro do SUS no sistema de atendimento, o ex-secretário da Saúde local Augusto Carvalho aplicou tudo em Certificados de Depósitos Bancários (CDBs). Em março do ano passado, essa aplicação somava 238,4 milhões de reais. Parte desse dinheiro, segundo investiga o Ministério Público Federal, pode ter sido usada no megaesquema de corrupção que resultou no afastamento e na prisão do governador José Roberto Arruda.
Essa constatação deixou em alerta o Ministério da Saúde. As demais equipes do Denasus, até então orientadas a analisar somente as contas dos anos 2006 e 2007, passaram a vasculhar os repasses federais do SUS feitos até 2009. Nem sempre com sucesso. De acordo com os relatórios, em alguns estados como São Paulo e Minas os dados de aplicação de recursos do SUS entre 2008 e 2009 não foram disponibilizados aos auditores, embora se tenha constatado o uso do expediente nos dois primeiros anos auditados (2006-2007). Na auditoria feita nas contas mineiras, o Denasus detectou, em valores de dezembro de 2007, mais de 130 milhões de reais do SUS em aplicações financeiras.
O Rio Grande do Sul foi o último estado a ser auditado, após um adiamento de dois meses solicitado pelo secretário da Saúde da governadora tucana Yeda Crusius, Osmar Terra, do PMDB, mesmo partido do ministro Temporão. Terra alegou dificuldades para enviar os dados porque o estado enfrentava a epidemia de gripe suína. Em agosto, quando a equipe do Denasus finalmente desembarcou em Porto Alegre, o secretário negou-se, de acordo com os auditores, a fornecer as informações. Não permitiu sequer o protocolo na Secretaria da Saúde do ofício de apresentação da equipe. A direção do órgão precisou recorrer ao Ministério Público Federal para descobrir que o governo estadual havia retido 164,7 milhões de recursos do SUS em aplicações financeiras até junho de 2009.
O dinheiro, represado nas contas do governo estadual, serviu para incrementar o programa de déficit zero da governadora, praticamente único argumento usado por ela para se contrapor à série de escândalos de corrupção que tem enfrentado nos últimos dois anos. No início de fevereiro, o Conselho Estadual de Saúde gaúcho decidiu acionar o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas do Estado e a Assembleia Legislativa para apurar o destino tomado pelo dinheiro do SUS desde 2006.
Ainda segundo o relatório, em 2007 o governo do Rio Grande do Sul, estado afetado atualmente por um surto de dengue, destinou apenas 0,29% dos recursos para a vigilância sanitária. Na outra ponta, incrivelmente, a vigilância epidemiológica recebeu, ao longo do mesmo ano, exatos 400 reais do Tesouro estadual. No caso da assistência farmacêutica, a situação ainda é pior: o setor não recebeu um único centavo entre 2006 e 2007, conforme apuraram os auditores do Denasus.
Com exceção do DF, onde a maioria das aplicações com dinheiro do SUS foi feita com recursos de assistência farmacêutica, a maior parte dos recursos retidos em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul diz respeito às áreas de vigilância epidemiológica e sanitária, aí incluído o programa de combate à Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Mas também há dinheiro do SUS no mercado financeiro desses três estados que deveria ter sido utilizado em programas de gestão de saúde e capacitação de profissionais do setor.
Informado sobre o teor das auditorias do Denasus, em 15 de fevereiro, o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista Júnior, colocou o assunto em pauta, em Brasília, na terça-feira 23. Antes, pediu à Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, à qual o Denasus é subordinado, para repassar o teor das auditorias, em arquivo eletrônico, para todos os 48 conselheiros nacionais. Júnior quer que o Ministério da Saúde puna os gestores que investiram dinheiro do SUS no mercado financeiro de forma irregular. "Tem muita coisa errada mesmo."
No caso de São Paulo, a descoberta dos auditores desmonta um discurso muito caro ao governador José Serra, virtual candidato do PSDB à Presidência da República, que costuma vender a imagem de ter sido o mais pródigo dos ministros da Saúde do País, cargo ocupa-do por ele entre 1998 e 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo dados da auditoria do Denasus, dos 77,8 milhões de reais do SUS aplicados no mercado financeiro paulista, 39,1 milhões deveriam ter sido destinados a programas de assistência farmacêutica, 12,2 milhões a programas de gestão, 15,7 milhões à vigilância epidemiológica e 7,7 milhões ao combate a DST/Aids, entre outros programas.
Ainda em São Paulo, o Denasus constatou que os recursos federais do SUS, tanto os repassados pelo governo federal como os que tratam da Emenda nº 29, são movimentados na Conta Única do Estado, controlada pela Secretaria da Fazenda. Os valores são transferidos imediatamente para a conta, depois de depositados pelo ministério e pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS), por meio de Transferência Eletrônica de Dados (TED). "O problema da saúde pública (em São Paulo) não é falta de recursos financeiros, e, sim, de bons gerentes", registraram os auditores.
Pelos cálculos do Ministério da Saúde, o governo paulista deixou de aplicar na saúde, apenas nos dois exercícios analisados, um total de 2,1 bilhões de reais. Destes, 1 bilhão, em 2006, e 1,1 bilhão, em 2007. Apesar de tudo, Alckmin e Serra tiveram as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado. O mesmo fenômeno repetiu-se nas demais unidades onde se constatou o uso de dinheiro do SUS no mercado financeiro. No mesmo período, Minas Gerais deixou de aplicar 2,2 bilhões de reais, segundo o Denasus. No Rio Grande do Sul, o prejuízo foi estimado em 2 bilhões de reais.
CartaCapital solicitou esclarecimentos às secretarias da Saúde do Distrito Federal, de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Em Brasília, em meio a uma epidemia de dengue com mais de 1,5 mil casos confirmados no fim de fevereiro, o secretário da Saúde do DF, Joaquim Carlos Barros Neto, decidiu botar a mão no caixa. Oriundo dos quadros técnicos da secretaria, ele foi indicado em dezembro de 2009, ainda por Arruda, para assumir um cargo que ninguém mais queria na capital federal. Há 15 dias, criou uma comissão técnica para, segundo ele, garantir a destinação correta do dinheiro do SUS para as áreas originalmente definidas. "Vamos gastar esse dinheiro todo e da forma correta", afirma Barros Neto. "Não sei por que esses recursos foram colocados no mercado financeiro."
O secretário da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, afirma jamais ter negado atendimento ou acesso à documentação solicitada pelo Denasus. Segundo Terra, foram os técnicos do Ministério da Saúde que se recusaram a esperar o fim do combate à gripe suí-na no estado e se apressaram na auditoria. Mesmo assim, garante, a equipe de auditores foi recebida na Secretaria Estadual da Saúde. De acordo com ele, o valor aplicado no mercado financeiro encontrado pelos auditores, em 2009, é um "retrato do momento" e nada tem a ver com o fluxo de caixa da secretaria. Terra acusa o diretor do Denasus, Luís Bolzan, de ser militante político do PT e, por isso, usar as auditorias para fazer oposição ao governo. "Neste ano de eleição, vai ser daí para baixo", avalia.
Em nota enviada à redação, a Secretaria da Saúde de Minas Gerais afirma estar regularmente em dia com os instrumentos de planejamento do SUS. De acordo com o texto, todos os recursos investidos no setor são acompanhados e fiscalizados por controle social. A aplicação de recursos do SUS no mercado financeiro, diz a nota, é um expediente "de ordem legal e do necessário bom gerenciamento do recurso público". Lembra que os recursos de portarias e convênios federais têm a obrigatoriedade legal da aplicação no mercado financeiro dos recursos momentaneamente disponíveis.
Também por meio de uma nota, a Secretaria da Saúde de São Paulo refuta todas as afirmações constantes do relatório do Denasus. Segundo o texto, ao contrário do que dizem os auditores, o Conselho Estadual da Saúde fiscaliza e acompanha a execução orçamentária e financeira da saúde no estado por meio da Comissão de Orçamento e Finanças. Também afirma ser a secretaria a gestora dos recursos da Saúde. Quanto ao investimento dos recursos financeiros, a secretaria alega cumprir a lei, além das recomendações do Tribunal de Contas do Estado. "As aplicações são referentes a recursos não utilizados de imediato e que ficariam parados em conta corrente bancária." A secretaria também garante ter dado acesso ao Denasus a todos os documentos disponíveis no momento da auditoria.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Sobre o poder deliberativo dos Conselhos de Saúde

FLAVIO GOULART [1][1]

A participação social na área da saúde tem especificidades marcantes pelo seu caráter democratizante, que denotariam o avanço da saúde em relação a outras áreas de governo. Mas, se há avanços, há também dilemas não resolvidos, por exemplo, a promoção de falsas expectativas nos participantes dos conselhos de saúde, relativas a um suposto poder efetivo e autônomo de decidir sobre a política de saúde.

Como apontei anteriormente[2][2], certas tendências preocupantes podem ser percebidas no cenário da participação social em saúde. São elas: (a) autonomização, levantando a expectativa social de que nos conselhos de saúde residiria, de fato e de direito, um quarto poder; (b) plenarização, mediante a transformação dos conselhos de saúde em meros fóruns de debates entre os diversos segmentos sociais, nem sempre com a participação do Estado, o qual, aliás, por definição normativa (e não propriamente legal), é fortemente minoritário; (c) parlamentarização, com formação de blocos ideológicos e partidários intra-conselhos e tomadas de decisão por votação, não por consenso; (d) profissionalização, dadas as fortes exigências da participação social, abrindo caminho para a constituição de verdadeiros profissionais da participação; (e) auto-regulação, que representa uma particularidade praticamente exclusiva da área da saúde.

A prerrogativa de deliberar, citada na Lei 8142/90, merece destaque especial. Segundo o dicionário Houaiss (2004), deliberar é verbo transitivo direto e indireto pronominal, que tem, entre suas acepções, decidir(-se), após reflexão e/ou consultas e ainda, empreender reflexões e/ou discussões sobre algo no intuito de decidir o que fazer.

Os fatos da vida real mostram que deliberação, na prática concreta dos conselhos de saúde, não se constitui exatamente como tomada de decisão autônoma e dotada de capacidade de produzir, por si só, transformações externas ao circuito onde foi gerada, enquadrando-se, talvez, na segunda acepção do dicionário (empreender reflexões e/ou discussões). Neste aspecto parece ocorrer grande distância entre a realidade, e mais ainda, entre o que dizem as leis e o que se depreende das práticas participativas reais do País, de um lado e, de outro, o pensamento (ou o desejo...) daqueles que estão imersos seja na formulação das idéias ou mesmo no cotidiano da participação social em saúde.

Com efeito, não é demais lembrar, a deliberação dos conselhos esbarra no dever da homologação por parte do Executivo, que tem fortes responsabilidades ditadas pelas leis e é submetido à vigilância do Legislativo, dos Tribunais de Contas e do Ministério Público, sob a égide, entre outros instrumentos legais e normativos, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Um aspecto particular da área da saúde é que a referência ao poder deliberativo está presente tanto nas atribuições dos conselhos como das conferências de saúde (Lei 8142). É mais uma variável na equação, criando uma situação de triplicidade, pois afinal, este poder seria atribuído não só às plenárias das conferências, mas aos conselhos e também ao Executivo, sendo este último o único que o detém, de fato e de direito. Cumpre-se, assim, uma jocosa observação do cientista social espanhol Manuel Castells: eu participo , tu participas, nós participamos... eles decidem.
Imagino que tal poder deliberativo, associado que é a um conceito e uma práxis de autonomia, seja uma espécie de relíquia leninista, devidamente trazida à luz pelos reformadores da saúde no Brasil, derivada da formulação original do poder operário e suas funções ao mesmo tempo legislativas e executivas.

O uso contínuo e reiterado das expressões deliberação e poder deliberativo e o que delas decorrem sem dúvida acarreta expectativas dos membros do jogo participativo, que não podem tomar decisões de fato, já que do outro lado da mesa elas não deverão, mas sim poderão (ou não) serem cumpridas – e isso é de direito. Considerando que agora a condução dos conselhos tende a não mais pertencer ao gestor do SUS, dá-se que a homologação do Executivo deixa de ser realizada como compromisso para ser exercida como mera concessão, pois que o organismo onde é gerada se coloca fora do Executivo, não mais como seu componente, embora os defensores da referida condução externa às vezes utilizem este mesmo argumento para defender sua capacidade de decidir e influir nas políticas, como, aliás, afirmou textualmente em 2007 o atual presidente do Conselho Nacional de Saúde, o farmacêutico e líder sindical Francisco Batista Jr.

Na verdade, o elenco de atribuições dos conselhos de saúde, já definido na Resolução 333 do CNS deixa claro que deliberar (tomar decisões que impliquem em mudanças no sistema de saúde) pode não ser exatamente o que se sonha, pois seus atributos se referem a formular, mobilizar, fiscalizar, auto-regular-se, discutir, opinar, propor, exercer visão estratégica etc., conforme se depreende da leitura da quinta diretriz do referido documento normativo. Assim, no que está escrito, não há grande diferença entre os conselhos de saúde e das demais áreas de governo; as grandes diferenças são simbólicas, relativas à maneira como os participantes dos conselhos de saúde encaram suas funções.

O próprio CNS, em documento de 2003 reconhece que deliberações relativas à formulação de estratégias que pertençam à alçada privativa do Gestor (grifo do autor) necessitam ser homologadas, mediante sua transformação em ato oficial de governo. Além disso, acrescenta-se que apenas a organização interna e as eventuais articulações com os outros conselhos, com o Poder Legislativo e com outras instituições da sociedade, devem estar incluídas na autonomia conciliar, não dependendo da homologação para se realizarem.

Depreende-se, aubda, que os conselhos de saúde não deveriam, também, se constituir como meros fóruns de debates, focados na ideologia, com aspirações de vir a ser um quarto poder, mas sim organismos de formulação, apoio e sustentação estratégica de políticas de interesse coletivo, necessariamente vinculados ao Estado.

Quando se fala em autonomia, paridade e poder deliberativo deve se reconhecer uma enorme distância seja por parte daqueles que participam efetivamente dos conselhos, em qualquer segmento, seja pelos que conceberam o modelo vigente, entre o idealizado e o real, ou entre o ideológico e o jurídico-administrativo. Tal disjunção acarreta prejuízos notáveis para as práticas de participação, que poderiam ser traduzidos por camuflagem, desperdício de energias e até mesmo certo transformismo, ou seja, aquilo que mostra o que não é, de fato.

Se o verdadeiro e final poder de deliberação é atributo do Executivo, como afirmam e reafirmam as leis, outras tarefas, também nobres, podem e devem ser assumidas pelos conselhos, de acordo com o que está referido na Resolução 333 do CNS: formular, mobilizar, fiscalizar, auto-regular-se, discutir, opinar, propor, exercer visão estratégica. Entre o ideológico e o jurídico, em suas formas puras, é possível encontrar uma terceira via, que ultrapasse aquele movimento ideológico, tão típico (e necessário) oriundo dos anos de arbítrio, para uma necessária evolução: a ação política em ambiente que deixa de ser de competição partidária e ideológica e de conspiração, passando a ser de construção solidária do bem comum.

Em suma, a participação social não é uma panacéia. Antes, representa um processo oneroso para o cidadão comum e costuma ser apropriada e mantida por determinados grupos sociais, como funcionários públicos, letrados, pessoas mais velhas, homens, militantes políticos. A participação social, contraditoriamente, pode ser também um instrumento antidemocrático. É preciso saber lidar com ela.

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FLAVIO GOULART
(61) 3368 1034 - 8133 3235

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[1][1] Médico. Doutor em Saúde Pública. Consultor autônomo em Saúde Pública. Membro fundador do CONASEMS. Ex-Professor Universitário (UFMG, UFU, UnB). E-mail: goulart.fa@gmail.com

[2][2] GOULART, FA. Dilemas da Participação Social em Saúde no Brasil. Revista Saúde em Debate – CEBES. Rio de Janeiro. Março 2010 (data prevista de circulação)