domingo, 30 de janeiro de 2011

Os conselhos de saúde como sujeitos no processo de Construção do SUS

Os Conselhos de Saúde como Sujeitos no Processo de Construção do SUS

Marlene Madalena Possan, Túlio Franco, Zélia Musa

por Túlio Batista Franco, Marlene Madalena Possan Foschiera e Zélia Musa

Texto publicado no livro “Acolher Chapecó”, de Túlio Batista Franco et al (orgs.), Editora Hucitec, São Paulo, 2004.

Introdução.

O Sistema Único de Saúde, criado pela Constituição Federal de 1988, mudou o paradigma das políticas de saúde no Brasil. De um modelo excludente, onde a saúde não era direito, o acesso definido pela possibilidade de pagamento privado ou através do seguro social (INAMPS), modelo centralizador, sem nenhuma possibilidade de participação popular, passou-se, com o novo estatuto jurídico à completa reversão deste modelo. Princípios como o do acesso Universal, assistência Integral e Eqüitativa foram incorporados à nova proposta constante da Constituição. Entre esses princípios, se destaca o da “participação da comunidade”, que teve sua regulamentação elaborada posteriormente na legislação regulamentar, onde foram criados a Conferência e o Conselho de Saúde, como “instâncias colegiadas”, sendo que o Conselho tem as suas características e competências, definidas na legislação da seguinte forma: “caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado ... , atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros...” [1].

A organização de Conselhos de Saúde tem se generalizado de forma espetacular. Isto pode ser explicado, por um lado, pela mobilização criada em torno da participação popular na saúde, originária nos movimentos urbanos e no próprio Movimento pela Reforma Sanitária, surgido na década de 70, visto como o resgate de direitos, a busca da cidadania, na onda da redemocratização do país. Por outro lado, pelo estabelecimento da obrigatoriedade da organização dos conselhos para o repasse de recursos da esfera federal para o município como expressa a Lei Federal 8142. É indicativo do avanço na construção dos Conselhos, os dados disponíveis do Relatório Final da Pesquisa “Avaliação do Funcionamento dos Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde”; coordenada pelo Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva e Nutrição da Universidade Federal de Minas Gerais (Nescon/UFMG), que já atestava em 1993 a existência além do Conselho Nacional de Saúde, a organização de conselhos em todos 27 estados brasileiros e em 2.108[2]. Estima-se que hoje os Conselhos estão presentes na quase totalidade dos municípios brasileiros. Ou seja, estamos diante de um fenômeno político, que evolui no interior do Estado, em conexão com a sociedade civil e particularmente, se estabelece no contexto do aparato institucional de gestão da saúde.
O Caráter dos Conselhos de Saúde no Brasil.

Uma questão importante que se coloca para análise da participação popular na saúde, diz respeito à natureza em que esta se dá e o caráter do seu principal instrumento, os Conselhos de Saúde. No esforço de entender essa questão, analisamos os Conselhos sob os seguintes aspectos.:

1. Os Conselhos, devem ter uma representação popular, de acordo com a legislação que diz que “a representação dos usuários... será paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos”, [3]. A definição da sua composição, no entanto, por si só não garante o caráter popular do Conselho, definido aqui como democrático, pois é necessário que as organizações populares tenham real participação e interação com a sociedade organizada.

Vemos que os Conselhos aglutinam forças emergentes da sociedade, surgindo como elemento novo no cenário das políticas de saúde no Brasil. São, por si só, questionadores da velha estrutura institucional, tecnocrática, centralizadora, autoritária e normativa, própria da tradição do Estado brasileiro. Se caracterizam, portanto, como poderoso dispositivo instituinte no interior da estrutura organizacional da saúde. Entendendo instituinte, no conceito dado por Gregorio Baremblitt, como um processo de mudança desencadeado no interior das instituições, a partir de forças movidas pelo desejo de construção do novo, no caso, uma nova relação entre o estado e a sociedade[4] .


Isto não significa que os Conselhos estão isentos de incorporar elementos conservadores. Para se prevenirem contra a burocratização, a capitulação ao status quo, evitando que passem a se caracterizar como força conservadora, devem estar abertos aos novos valores e às forças criativas e renovadoras que vêm do interior da sociedade, dos movimentos sociais e manutenção da relação com sua base social.


Podemos dizer que o caráter do Conselho de Saúde será definido, pela concepção política que o presidir, pelo jogo de poder que se estabelecer no seu interior e pela sua permeabilidade às questões que são colocadas pelos diversos segmentos sociais, principalmente os usuários dos serviços de saúde.

2. Os conselheiros, são eleitos por determinados segmentos sociais, a saber: “O Conselho de Saúde, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários”[5]. Na eleição, os representados outorgam poder aos seus representantes, dando ao Conselho características que são próprias da Democracia representativa, definida por Bobbio da seguinte forma: “ [...] onde o direito de fazer leis diz respeito, a um corpo restrito de representantes eleitos por aqueles cidadãos a quem são reconhecidos direitos políticos”. (Bobbio, 1995:324). Esses, no conselho, não se constituem enquanto um organismo “acima” e separado das suas bases sociais, pelo contrário, continuam vinculados aos respectivos segmentos, que exercem o controle direto, através das suas entidades, sobre os atos do Conselheiro. Esse controle e a revogabilidade dos mandatos dão aos Conselhos, características de organismo que exerce a Democracia direta. Compõem o Conselho, portanto, características das duas formas de exercício do poder político, através da representação e na forma direta.

Outro dado a ser analisado, diz respeito ao fato de que os Conselhos têm características de poder executivo e legislativo. De acordo com Guido Ivan de Carvalho: “Ele (o Conselho) auxilia tanto a Câmara Municipal na elaboração de leis como o Prefeito na execução das leis, e ambos, Câmara e Prefeito (e especialmente o dirigente municipal do SUS), na condução dos assuntos de saúde no Município” (Carvalho & Santos, 1992).


Sobre este tema, retomando Bobbio, este diz que os Conselhos são “formação baseada no princípio da delegação por parte de tais coletividades (os segmentos representados), em geral a modo de mandato imperativo e revogável; fusão, no âmbito dos seus poderes, das funções legislativa e executiva” (Bobbio, 1995:325). Essas características dos Conselhos, indicadas pelo autor estão presentes nos Conselhos de Saúde conforme organizados junto ao Sistema Único de Saúde (SUS). Elas têm sua origem na histórica contemporânea, no poder popular organizado em Paris em 1871 que recebeu o nome de “Comuna de Paris”. Ali se viveu a experiência de um novo tipo de organização das instituições de Estado, descentralizado, democrático, sob controle popular e centrado nos Conselhos, como organismo de exercício de poder direto, pela população. A Comuna de Paris combinava funções legislativas e executivas e os mandatos dos Conselheiros eram revogáveis a qualquer momento, por quem o havia eleito, no caso, a população de Paris.

Podemos considerar que os Conselhos são formas de organização política, possuidores de estatuto jurídico-institucional próprio, por natureza, questionadores do tipo de organização do Estado vigente. É uma combinação das estruturas democratizantes, autogestionárias e transformadoras presentes na experiência da Comuna de Paris, nos ensinamentos das Comissões Urbanas criadas pela mobilização da população em diversos episódios de luta social vividos na Europa na década de 70, relatados pelos seus próprios protagonistas e outros autores do movimento social[6]. Tudo isto tem como pano de fundo o ideal do Controle da Sociedade sobre o aparelho de Estado, e a estratégia de organização de um novo tipo de poder político, exercido pela população, através de instituições e organismos próprios.

O valor e potencial transformador que os Conselhos têm, não são absolutos. Existe, naturalmente, o risco de que os mesmos possam capitular à estrutura e ao modo de exercício do poder do Estado liberal. Seu potencial transformador se revelará, se se desenvolver uma política que esteja calçada em ideais libertários, de radicalidade democrática, referenciados em um projeto de mudança, o que pressupõe o controle das políticas públicas pela sociedade.

3. Uma outra questão importante a ser discutida, diz respeito ao Controle Social do Sistema Único de Saúde. A expressão Controle Social criada pela sociologia, a princípio diz respeito ao controle do Estado como entidade reguladora, sobre a sociedade. Porém, tem sido usada no Brasil, com significado exatamente o oposto desse, que expressa a ação controladora da sociedade sobre o Estado, através de instrumentos próprios específicos[7] [8]. Em relação ao SUS, falamos em Controle Social quando expressamos o objetivo de controle da sociedade sobre a política de saúde. Neste sentido, a própria Conferência e os Conselhos de saúde, são considerados instrumentos de Controle Social, relacionados abaixo, juntamente com os demais:

a) Conferência de Saúde, criada pela Lei 8142.

b) Conselho de Saúde, criado pela Lei 8142.

c) Voto sufragado na escolha dos governantes (executivos e legislativos) das diversas esferas de governo.

d) Plebiscito criado pela Constituição Federal; Art. 14 - I .

e)  Projeto de Lei de iniciativa popular, criado pela Constituição Federal; Art. 27

§ 4º e Art. 29 inciso XI.

f) Ministério Público, definidas suas atribuições na Constituição Federal, Cap.

IV, Seção I e respectivos artigos.

g) Órgãos de Defesa do Consumidor, regulamentados nos termos da Constituição Federal, Art. 5º - XXXII e Art. 170 - V.

h) Mobilização Popular, através dos mecanismos próprios das entidades populares e sindicais.

i) Meios de Comunicação próprios dos Conselhos e a mídia.

I)  Conselhos podem representar hoje uma nova proposta, do ideal de organização do Estado que esteja sob controle da sociedade ou até mesmo, o germe de um tipo novo de organização do Estado, na medida em que, através de um novo estatuto jurídico-institucional e da participação direta da população, se estabelecerem novos padrões de relacionamento da comunidade com o governo, e os serviços de saúde.

Ao se investir de poder político, a população e principalmente os usuários, vivenciam um interessante processo pedagógico de aprendizado do exercício do poder. Ganham conhecimento político e técnico, conquistam cidadania, o que leva a se estabelecer uma relação da população com o governo, a partir de um patamar diferenciado, como atores sociais, sujeitos no processo de construção do SUS, e não mais como “sujeitados” às políticas que são encaminhadas pelo poder público.

Os Conselhos de Saúde como Instrumento de Mudança do Modelo Assistencial.

Em que medida o Conselho de Saúde pode contribuir para a melhoria dos Serviços de Saúde?

Este é o debate central da temática colocada.

As indagações aqui relacionadas, estão embasadas nas seguintes questões fundamentais:

1ª) O SUS, indicou diretrizes para a mudança do modelo assistencial, porém esta se deu apenas na esfera jurídica, não ocorrendo na esfera operacional, lugar que concretamente se realiza o trabalho em saúde, ou seja, nas Unidades Assistenciais, onde o encontro dos serviços com os usuários é processado pelos recursos materiais, humanos e tecnológicos ali disponíveis. Para que este novo paradigma se manifeste concretamente, será necessário, ao nível das Unidades Assistenciais (Básicas , Secundárias e Hospitalares), modificar não apenas os conceitos de fazer saúde, mas a consciência de cada trabalhador, fazendo-o incorporar na concepção que vai mediar seu trabalho, valores libertários, humanitários e de solidariedade. Falamos assim de grandes transformações na esfera da micropolítica, onde de fato se dá a produção dos serviços de assistência à saúde.


2ª) As mudanças a serem processadas neste espaço institucional, o das Unidades Assistenciais, devem ter por referência a rede de conversas que se estabelece neste espaço, como uma das formas de processar o fluxo assistencial e de cuidado dos usuários. Elas se dão, de um lado, pela decisão da reorganização da gestão, em moldes participativos, através da gestão colegiada, e por um processo de trabalho que faça sua aposta na potência instituinte do trabalho vivo, força criativa que se coloca como fundamenta para o trabalho em saúde. A hegemonia do trabalho vivo no processo produtivo, potencializa os profissionais e usuários como sujeitos sociais no âmbito da produção do cuidado. Por outro lado, as mudanças das quais falamos como necessárias, se dão a partir da construção de processos de subjetivações, capazes de criar, no corpo funcional e nos usuários, uma nova subjetividade, identificada com os valores humanitários, societários e coletivos, e seja capaz de constituir um novo sujeito individual e coletivo, que se coloque como ator social e político, desejante de mudanças e capaz de realizá-las.

A partir destas premissas básicas, estarão dadas as condições para que os Conselhos, como força autogestionária do SUS e instituinte, trabalhe no sentido de construir uma hegemonia democrático popular no interior dos serviços - e por que não dizer da sociedade - hegemonia vista aqui no conceito dado por Gramsci, de consentimento da sociedade, gerado a partir de uma práxis política renovada e renovadora, nas instituições. [9] [10] . Esta nova hegemonia, estaria partindo dos princípios e diretrizes do SUS, e buscando produzir um novo modelo assistencial, a partir de processo de trabalho diferente, que signifique uma reestruturação produtiva no setor da saúde. Esta, por sua vez, deve expressar o compromisso com um serviço centrado no usuário e pactuado entre todos segmentos da saúde, em torno diretrizes operacionais de “ACESSO, ACOLHIMENTO, VÍNCULO, RESOLUBILIDADE, AUTONOMIZAÇÃO E VIGILÂNCIA À SAÚDE”.[11]


3ª) A conquista da hegemonia no interior das Unidades de Saúde, deverá se realizar a partir do fazer cotidiano, identificando e permitindo a emergência de elementos instituintes no processo de trabalho, modificando velhas rotinas e estruturas, adotando nova forma de abordar e assistir ao usuário. Para isto, é necessário implantar um modelo de gestão, que permita que o trabalho se coloque, como força transformadora, por excelência. Será necessário utilizar todo potencial criativo e criador dos trabalhadores e usuários, estes últimos, podendo influenciar no processo, de forma organizada, a partir dos Conselhos, a fim de que se estabeleçam processos novos na organização dos serviços de saúde. Com esta nova prática, é necessário deixar que os conflitos se revelam no interior da instituição, ao mesmo tempo, dando-lhes tratamento institucional a partir de uma gestão democrática, capaz de acionar todo o potencial libertário, democrático e socializante, que está embutida na proposta de um novo modelo assistencial, centrado no usuário, naquilo que é o objeto de trabalho dos profissionais da saúde: a defesa da vida, incondicionalmente.


4ª) Outra questão fundamental diz respeito à necessidade de intervir nos espaços da micropolítica, procurando exercer aí as mudanças necessárias para reorganizar o modelo de assistência à saúde, o que pressupõe alterar os processos de trabalho. Isto fica mais fácil, se os conselhos estiverem participando dos processos de mudança desencadeados no estabelecimento de saúde.

Há um outro conceito, importante para a questão aqui discutida, a de transversalidade, que significa capacidade de atravessar as organizações, promovendo em cada lugar, mudanças no sentido da construção de um devir, que signifique um novo patamar na forma de modelar a assistência à saúde. Os Conselhos podem assumir a característica de um dispositivo que age transversalmente nos serviços e no interior da sociedade, na perspectiva de produzir uma radical mudança dos serviços de saúde. Age assim, na acumulação de forças no interior da sociedade, conquistando uma hegemonia do trabalho, em detrimento do capital, nos processos produtivos da saúde. Isto significa uma aposta no novo, na mudança da base tecnológica hegemônica existente hoje, que é de natureza mercantil, pois está centrada na maquinaria e no instrumental. A aposta a ser feita, é para que o trabalho vivo venha compor, hegemonicamente o núcleo de produção do cuidado, na relação com o trabalho morto, representado pelas tecnologias duras presentes nos processos de trabalho. Esta discussão, precisa ganhar as cabeças e corações dos usuários, criando neles potência para protagonizarem as mudanças necessárias na forma de produção da saúde.


Para intervir de forma eficaz na realidade e tornarem-se também protagonistas de projetos em curso, os conselhos devem adquirir capacidade de auto-análise e autogestão, para se tornarem sujeitos reais no processo de mudanças.

Por autogestão, segundo Baremblitt, entende-se:

“Autogestão, é ao mesmo tempo, o processo e o resultado da organização independente que os coletivos se dão para gerenciar sua vida. As comunidades instituem-se, reorganizam-se e estabelecem de maneiras livres e originais, dando-se os dispositivos necessários para gerenciar suas condições e modos de existência” (Baremblit, 1992:157)

De que lugar os Conselhos poderiam influir na micropolítica da organização dos serviços de saúde? Acreditamos, que através de dois lugares distintos, quais sejam: Acompanhando o processo de organização da atenção à saúde, que se dá de forma permanente em nível das Unidades Assistenciais, especialmente a mudança nos processos de trabalho. Outro lugar, é o próprio Controle Social, exercido através de diversos instrumentos e principalmente o Conselho de Saúde, onde é possível cimentar a unidade dos trabalhadores e usuários, para objetivos permanentes e concretos, em interseção com a sociedade no seu conjunto. Os Conselhos podem ser por excelência, os novos protagonistas da reforma sanitária.

Importa para este tema, discutir qual a caracterização do Conselho de Saúde, como ator social. De acordo com Carlos Matus:

“Ator Social é uma personalidade, uma organização ou agrupamento humano que, de forma estável ou transitória, tem capacidade de acumular força, desenvolver interesses e necessidades e atuar produzindo fatos na situação [...] os atores são forças sociais e personalidades que controlam centros de poder. ... Podemos dizer que os atores sociais controlam os centros de poder, incluídos como centros de poder os mesmos atores sociais” (Matus, 1993:227 e 570) .

Os Conselhos podem se enquadrar no conceito de Carlos Matus, sendo portanto atores sociais e políticos importantes para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde. Efetivamente, eles têm poder político, definido juridicamente e por utilização de diversos recursos que podem mobilizar, desde que não se deixem capturar por lógicas institucionais neoliberais e mantenham sua autonomia na condução das políticas e decisões que implementa, no cenário de construção do SUS. Os recursos que o Conselho possui, para exercer efetivamente o Controle Social, estão concentrados principalmente no poder político, que se exerce pela sua inserção social, capacidade de pressão sobre o Estado, capacidade de mobilização dos segmentos sociais através das suas entidades, mobilização em ocasião das eleições para os legislativos e executivos, formando opinião em relação ao posicionamento de voto em torno de candidatos que apóiam seu programa para a saúde. Já os recursos materiais e humanos são controlados pelo gestor, cabendo ao Conselho exercer sobre eles sua fiscalização e demandar recursos quando considerar que os mesmos são fundamentais para a assistência à saúde. Os recursos cognitivos, ou seja, do conhecimento técnico são controlados principalmente pelos trabalhadores, que devem disponibilizar ao conselho de saúde na forma de pareceres, relatos, reuniões e toda forma de interação política que pode se dar no exercício cotidiano do controle social do SUS, realizado pelo Conselho de Saúde.

A Experiência de Participação Popular na Saúde, em Chapecó, SC.

Governo Democrático de Chapecó Governa com Participação Popular

Ao analisarmos a participação popular em Chapecó é necessário conhecer um pouco da história política do município e região. Sob o aspecto político, no final da década de 80 e primeiros anos da década de 90, o município tem uma influência da Igreja Católica que tinha como líder Dom José Gomes, um dos defensores da Teologia da Libertação que incentiva a formação das Comunidades Eclesiais de Base e as pastorais, influenciando na organização dos movimentos populares.

Com essa influencia é que se constitui, no município e na região, Sindicatos de trabalhadores autênticos, que iniciam processos de mobilização das suas respectivas categorias nas defesas de seus interesses. Da mesma forma, são organizados partidos políticos com programas centrados em concepções democráticas e populares, com importante influência junto à camadas mais desfavorecidas da população. Esses processos levaram ao aparecimento de lideranças políticas com origem nos movimentos sociais, que começam a compor ao longo do tempo uma formação de bancadas parlamentares do campo democrático popular. Já em 1989 e 1994 o candidato à Presidência da República da Frente Democrática e Popular, tem vitória eleitoral expressiva em Chapecó e região. Na seqüência, em 1996, José Fritsch, então candidato da Frente Democrática e Popular à prefeitura, é eleito com forte apoio popular, o primeiro prefeito eleito com um programa democrático popular, da história do município e em 1999, foi reeleito para o segundo mandato, tendo como vice o Deputado Estadual Pedro Uczai.

O Conselho Municipal de Saúde de Chapecó foi criado em 1991. A partir de então, a participação da população na política de saúde em Chapecó se dava apenas por representação de entidades no mesmo até 1996. Até esta data, a composição do Conselho não obedecia a paridade entre usuários e os demais segmentos, trabalhadores e prestadores públicos e privadas. As entidades eram nominadas em leis, e não eram escolhidas entre seus pares. As reuniões ordinárias só passaram a ser realizadas conforme preconizava a lei, uma por mês, mediante pressão de entidades e determinação da Promotoria Pública.

Fortalecendo o Poder Local Através do Controle Social por Meio dos Conselhos Locais de Saúde.

A Secretaria Municipal de Saúde de Chapecó é parte efetiva na construção da história de participação popular no município, se fazendo presente nas diversas lutas e conquistas encaminhadas pela comunidade. Isto tem se dado através da organização dos Conselhos Locais de Saúde, da ampla participação popular nas Conferências Municipais de Saúde, Seminários, e Plenárias Temáticas do Orçamento Participativo.

Para garantir o avanço da participação popular e do controle social do SUS em Chapecó, verificou-se a importância de organizar os Conselhos de saúde a nível local, ou seja, em cada Unidade de Saúde. Para encaminhar esta proposta, em 1998, a Secretaria Municipal de Saúde, realizou um Seminário que trazia como tema: “A importância da organização dos Conselhos Locais de Saúde. O mesmo contou com a participação de representantes da Pastoral da Saúde, do Fórum Popular de Saúde, Usuários, Movimentos Populares, Vereadores, Equipe do Orçamento Participativo da Equipe Dirigente da Secretaria Municipal de Saúde. Partindo de diferentes olhares nesse seminário, foi decidido instituir os Conselhos Locais de Saúde (CLS), e para isso, a secretaria disponibilizou um dirigente que passou a ter como principal tarefa organizar e acompanhar os conselhos em todas as Unidades Básicas de Saúde do município.

Enquanto a Secretaria organizava os Conselhos, a população marcava presença no Orçamento Participativo reivindicando melhorias como: reformas, ampliações, construção de novas Unidades de Saúde, aumento na quantidade e melhora na qualidade de atendimento que até então era deficitário.

Gradativamente foram sendo formados os Conselhos. Inicialmente as pautas das reuniões se davam em função de reivindicações relacionadas ao aumento da assistência, e da organização dos serviços, principalmente no que tange a distribuição das fichas para atendimento médico e dentário, que a época, constituía-se como um grande impedimento ao acesso dos usuários do SUS.

Em Dezembro de 1998 realizou-se a II Conferência Municipal de Saúde que teve como tema: "Construindo a Participação Popular enquanto espaço de discussão da política de Saúde e funcionamento dos serviços". A mesma, aprovou modificações na Lei que criou o Conselho Municipal de Saúde corrigindo distorções existentes até então. Propôs-se uma nova composição do Conselho, garantindo a paridade em relação ao número dos usuários, conforme preconiza a Lei Federal 8.142. Instituiu ainda, que as entidades escolhessem entre seus pares os representantes, e abriu a possibilidade de ampliar a participações de usuários e entidades, uma vez que os suplentes, de acordo com a Lei, poderiam não ser da mesma entidade de origem do conselheiro titular. diferente da lei anterior na qual titular e suplente deveriam ser da mesma entidade. A proposta da nova lei ainda instituiu também os Conselhos Locais de Saúde, inserindo-os na organização do SUS em Chapecó.

Os vereadores da oposição votaram contra a participação dos conselheiros locais de saúde no Conselho Municipal de Saúde, apesar de, em um dos artigos da lei referir a importância dos mesmos. No entanto, os conselhos locais de saúde continuam funcionando normalmente, como fóruns de participação da comunidade na discussão das questões relacionadas a saúde.


Há um intenso movimento na esfera da Secretaria Municipal de Saúde, que envolve educação continuada dos profissionais capacitação dos Conselheiros e processos permanentes de negociação com os usuários, no sentido do atendimento das suas reivindicações. Tudo isto representou um acúmulo em relação ao entendimento e a inserção dos conselheiros nas discussões da organização da assistência à saúde. Muitos dos conselhos, começam a levantar problemas e buscar soluções juntamente com a equipe dirigente da Secretaria Municipal de Saúde, por começarem a compreender melhor as dificuldades na implementação do SUS.


Em 1999, a Secretaria Municipal de Saúde realizou o I Encontro dos Conselheiros Locais de Saúde de Chapecó, com o objetivo de promover a integração e troca de experiências. Demonstrando que a população sempre que chamada e respeitada nas suas deliberações participa efetivamente de todos os fóruns, esse encontro representou um avanço importante na participação popular, bem como mais uma vez, na integração da comunidade nas discussões relacionadas à implementação do SUS no município.

Quanto mais avançava a participação popular, mais avança a qualidade e a humanização no atendimento aos usuários, como a solução dos problemas da área da saúde nem sempre são de governabilidade da Secretaria Municipal de Saúde, já que os problemas dependem também de outros setores. A participação comunitária levou o governo a promover a intersetorialidade com as demais Secretarias a fim de buscar soluções para oferecer a integralidade da assistência a saúde.

No Município de Chapecó, foram realizadas diversas Conferências de Saúde.

As Conferências Municipais de Saúde, são importantes ferramentas para garantir a efetivação do Sistema Único de Saúde quando conseguem expressar e registrar as necessidades reais da População Usuária.


De acordo com a Lei 8.142/90, as conferências devem ser realizadas a cada quatro anos. O governo democrático e popular de Chapecó as tem convocado, a cada dois anos. Por ocasião do chamamento para a XII Conferência Nacional de Saúde que ocorreu no final de 2003, foi realizada a Conferência Municipal em 2002, e outra extraordinária, como etapa preparatória à Conferência Nacional, em 2003.


No recente histórico da política de saúde de Chapecó, consta a realização das Conferências. Em 2000, a III Conferência Municipal de Saúde, trouxe como tema: “Efetivando o SUS: Acesso, Qualidade e Humanização da atenção à Saúde com Controle Social". A sua preparação envolveu centenas de participantes através das prés Conferências. Já em 2002, a IV Conferência Municipal de Saúde, teve como tema: "Globalização, ALCA e seus reflexos para o SUS", contou com a presença de 1.120 usuários e trabalhadores da Saúde na etapa preliminar, das pré-conferências. Apesar dos dias de frio e muita chuva, foram realizadas trinta pré-conferências, que elegeram 230 delegados à Conferência Municipal.


Ainda realizou-se a 1ª Conferência da Saúde mental em 2001, e a 1ª Conferência Regional da Assistência Farmacêutica, em 2003, também com muitas pré conferências que discutiram o tema: "Efetivando o acesso, a qualidade e a Humanização na assistência Farmacêutica, com controle social."



Em 2003, o Município de Chapecó conta com 30 CLS em todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS), sendo que algumas UBS por ter uma grande área de abrangência, têm mais que um conselho, facilitando assim a participação da comunidade sob a coordenação da Diretoras das Unidades de saúde, com assessoramento da Secretaria Municipal de Saúde.

Novas Perspectivas: Radicalizar a participação popular e avançar no modelo assistencial.


Nas eleições de 2002, pela primeira vês o Brasil elege um trabalhador para ser seu presidente da Republica, Luiz Inácio Lula da Silva. Eleito através de um programa democrático popular, é natural esperarmos um significativo aumento na participação da população nas decisão das políticas públicas a serem implementadas.


Isso tem sido feito, com a convocação de Conferências Nacionais dos diversos segmentos que envolvem as políticas sociais do governo. No caso da saúde, a XII Conferência Nacional realizou-se no início de dezembro de 2003, com ampla participação popular. Na ocasião, foram discutidos todos os aspectos que envolvem a construção do SUS, e em especial, o modelo de assistência e de gestão.

A Secretaria Municipal de Saúde de Chapecó, tem encaminhado a mudança do modelo assistencial, enfatizando sob todos os aspectos, a inclusão social dos usuários na assistência, rompendo com as barreiras de acesso historicamente construídas. Isso pressupõe a organização de um serviço centrado no usuário e suas necessidades e o compromisso dos trabalhadores com essa diretriz maior, o que tem sido feito através de investimento na capacitação e amplas discussões com as equipes em cada Unidade de Saúde. Tudo isso só é possível, porque há efetiva vontade política deste governo, da compreensão de que a população e governo são responsáveis na construção da cidadania com participação construída ao longo desses anos através dos inúmeros fóruns organizados para o debate das políticas de saúde, como também pela reorganização do Conselho Municipal e implantação Locais de Saúde, que são a sustentação de um projeto de mudança na Saúde, com Humanização dos serviços.


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[1] BRASIL, Lei Federal 8.142, Art. 1o. parágrafo 2o.

[2] Resultado da Pesquisa Avaliação do Funcionamento dos Conselhos Estadual e Municipal de Saúde / IBAM / IMS-UERJ / NESC-CE / CPqAM / FIOCRUZ-PE / NESCO-PR / NESCON-UFMG / NESS-BA: IEC/PNE/SE - Brasília; 1995.

[3] BRASIL, Lei Federal 8.142Art. 1º., $ 4º.

4] Baremblitt, Gregorio F.; Compêndio de Análise Institucional e Outras Correntes: teoria e prática - Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos - 1992.

5] BRASIL, Lei Federal 8.142, Art. 1º., $ 2º.

[6] Ver: Leitão, L., “Mouvements Urbains et Commissions de Moradores au Portugal (1974 - 1976) in Les Temps Modernes N.º 388, Paris, novembre 1978, págs. 652-686.

[7] Carvalho, A. I.; Conselhos de Saúde no Brasil; IBAM/FASE, Rio de Janeiro, 1995 págs. 9 a 13.

[8] Bobbio, Norberto; Dicionário de Política Vol. 1, Editora UNB, 7a. edição, 1995, pág. 283.

[9] Ver: Anderson, Perry; As Antinomias de Gramsci; São Paulo, Editora Joruês, 1986, págs. 20 a 24.

[10] Ver: Dicionário do Pensamento Marxista; Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1983; págs. 177 e 178

[11] Merhy, E. E.; “Em Busca da Qualidade dos Serviços de Saúde: os serviços de porta aberta par a saúde e o modelo técno-assistencial em defesa da vida (ou como aproveitar os ruídos do cotidiano dos serviços de saúde e colegiadamente reorganizar o processo de trabalho na busca da qualidade das ações de saúde” in Inventando a Mudança na Saúde; Cecílio, Luiz Carlos de Oliveira (org.); São Paulo, Hucitec, 1994.







Eleições no CNS: onde estão as propostas políticas para o SUS e o Controle Social?

O Conselho Nacional de Saúde fará novas eleições para presidente no dia 23 de fevereiro. Anuncia-se uma candidatura de consenso, de uma usuária para assumir o cargo. Sinal dos tempos?



Certamente que uma usuária ocupando o cargo máximo de representação “comunitária” (é este o termo na Constituição Federal) na saúde gera um efeito simbólico importante e positivo. Afinal, no início dos anos 1990 “controle social” era nome feio para a maioria dos gestores do SUS, e motivou a realização do primeiro programa de formação de conselheiros de saúde, pela da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, em 1995, o qual tenho o maior orgulho de ter coordenado. A partir daí vieram muitos e conquistou-se um lugar privilegiado no contexto político do SUS.



Para quem acompanhou à distância o desfecho do debate que o CNS vem desenvolvendo deste o final do ano passado, sobre a sua presidência, há certo incômodo que paira em torno das seguintes questões: _ em cima de qual proposta política e programática se dão as eleições no CNS? Para total frustração, não vi nada a respeito. Mas as questões continuaram a perturbar meu sono, e o sono de muitos lutadores sociais do SUS: _ qual a idéia que o CNS têm sobre “modelo de produção da saúde, em especial do cuidado”? Afinal, o grande embate com o “mercado” está aí, pois a busca por maior financiamento sem este debate vai trazer dinheiro para o já lucrativo complexo-médico-industrial. Qual a proposta para prover os 74% dos municípios brasileiros com até 20.000 habitantes, de médicos? Problema grave que deixa desassistidos um contingente enorme de usuários, que enfrentam a dor, o sofrimento e a morte em condições muito precárias. Que propostas de ação tem o CNS para evitar a atual tendência à burocratização do controle social? Afinal, ele veio se deslocando de uma idéia geral de “democracia direta” (a idéia original) para adotar um formato mais próximo da “democracia representativa”. Enfim, no final dos 1990 avaliávamos que os Conselhos de Saúde no Brasil apresentavam um formato híbrido com elementos da democracia direta e representativa, e isto estaria em disputa nos anos seguintes (texto disponível no saúdecomdilma.com.br). Perdemos esta batalha? Ou isso não é parte das preocupações dos que dirigem o CNS? Enfim... pra além do nome, ou de qual corporação que assume o posto de presidente do CNS, acho central que estas questões sejam pautadas, e não vejo movimentos do CNS na direção deste debate.



A legitimidade do Conselho Nacional de Saúde será proporcional ao grau de ousadia que adotar na formulação das políticas de saúde, e na ação junto à sociedade, que a coloque em movimentos amplos e de alta intensidade como é a idéia de “multidão”. A multidão em movimento, em torno de algo que lhe é comum, tem uma força imensurável. Mas para que ela se realize é necessário reconhecer este poder de mobilização para além das estruturas organizadas, incorporando amplos segmentos sociais não organizados também. Isto é possível operando a idéia de formação de redes entre todos os que têm como comum a luta pelo SUS universalizado, público, sob controle social.



Desejo à presidente que será eleita em fevereiro o máximo de sucesso. Recomendo ousadia para o enfrentamento dos desafios colocados para a construção do SUS e do Controle Social e conte sempre comigo como um aliado nesta jornada.