domingo, 6 de dezembro de 2009

Eleições no Conselho Nacional de Saúde

UNDÉCIMO APELO PARA A ESCOLHA DE CONSELHEIROS USUÁRIOS QUE NÃO SEJAM PROFISSIONAIS DE SAÚDE E DE UM USUÁRIO PARA PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE

Gilson Carvalho[1]

Está chegando o dia 10 de dezembro, dia da eleição do Presidente do Conselho Nacional de Saúde. Mais um apelo de quem não desanima de mostrar o que está ocorrendo, apesar de ameaças e recados malcriados. Balizando a discussão lembro que o Conselho Nacional de Saúde, como os estaduais e municipais, é órgão público de participação da comunidade, que não é feita só de usuários que ocupam apenas uma metade pois tem na outra metade, paritária, Governo, Prestadores e Profissionais de Saúde.
A participação da comunidade está na CF e na lei 8142 onde jamais aparece a palavra controle social, uma corruptela minorativa da Participação da Comunidade!
Vejamos a base legal de sustentação dos Conselhos de Saúde:
a) CF, 194 - VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
b) CF, 198 As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
c) LEI N° 8.142 - Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS} ... § 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo.
§ 3°...
§ 4° A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será PARITÁRIA em relação ao conjunto dos demais segmentos.”
Este é o arcabouço legal a que o CONSELHO tem que se ater. É de clareza meridiana. Os pontos fundamentais aqui estão:
· O termo é PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE;
· Existem membros natos que NÃO PODEM DEIXAR DE EXISTIR nos conselhos e que não podem se submeter a escolha voluntária de grupos a não ser de seu próprio grupo, mediante regras democráticas previamente estabelecidas e comuns. São membros natos: GOVERNO (CF+8142); EMPREGADORES (CF); TRABALHADORES (CF); APOSENTADOS (CF); PRESTADORES (8142); PROFISSIONAIS DE SAÚDE (8142) E GENÉRICAMENTE OS USUÁRIOS (8142).
· Os USUÁRIOS devem ter entre eles, no mínimo: EMPREGADORES, TRABALHADORES, APOSENTADOS já que estas três categorias obrigatórias, não são nem governo, nem profissionais de saúde, nem prestadores.
· A eleição da representação dos empregadores é entre empregadores; dos trabalhadores, entre os trabalhadores; dos aposentados, entre os aposentados. Se faltar qualquer destas representações no Conselho o Conselho passa a ser inconstitucional. Outras representações, sempre bem vindas, deverão ser estabelecidas em documentos legais outros como lei, decretos ou portarias sempre representando a sociedade como um todo e de livre escolha em cada lugar.
· As funções legais dos Conselhos são duas: 1) atua na formulação de estratégias (FUNÇÃO PROPOSITIVA) e 2) no controle da execução da política de saúde... inclusive nos aspectos econômicos e financeiros (FUNÇÃO CONTROLADORA).
Ainda sonho com o dia em que OS CONSELHOS DE SAÚDE , A COMEÇAR PELO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, terão sua composição e funcionamento obedecendo a CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AS LEIS DE SAÚDE e não regidos por Decretos, portarias, resoluções ou regimentos internos casuísticos, com dispositivos ilegais. Quem sabe o novo conselho nacional de saúde elegerá como uma de suas prioridades a existência e funcionamento de forma legal e em defesa e prática de um ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO! Já discuto e escrevo sobre isto há algumas décadas e não tem bastado repetir, pois os problemas não são de déficit auditivo, mas de discriminação de sons que desejam ou não ouvir e entender. Por exemplo: quando por primeiro gritei contra um decreto que dava ao Ministro o poder de escolher os conselheiros fui comemorado e aplaudido e todas os corporados me entenderam muito bem! Parou aí! Outras ilegalidades, do mesmo decreto, foram comemoradas como avanços! Seletividade auditiva!!!
Vamos ao que interessa. Em 10 de dezembro, pairam três grandes catástrofes eminentes contra a democracia brasileira na área de saúde. Três assaltos a minha cidadania:
1) PRIMEIRO RISCO DE ASSALTO: Baixa renovação dos conselheiros nacionais de saúde: o que significa que os mesmos continuam achando que as reservas de valores nacionais, na área de saúde, estão vazias, prestes de um apagão. Só “os mesmos” seriam capazes de operar o Conselho. Salvadores abnegados!
2) SEGUNDO RISCO DE ASSALTO: Manutenção de uma representação de cidadãos usuários cheia de profissionais de saúde sob o argumento de que os cidadãos são incapazes de se representar e precisam ser tutelados por luminares profissionais de saúde. No atual CNS existe mais de uma dezena de profissionais de saúde ocupando o lugar de cidadãos usuários. Como virá a próxima leva no dia 10/12? Será que o posto de conselheiro usuário passará a ser uma defesa como a do ato médico? Conselheiro de saúde usuário, será considerado por lei um ato de profissional de saúde, só podendo ser exercido por estes?
3) TERCEIRO RISCO DE ASSALTO: Escolha de um presidente do Conselho que não seja um cidadão usuário ou até cidadão usuário mas profissional de saúde. Respeito quem não partilhe minha opinião (nada está na lei) de que sempre seja um cidadão usuário. Mas sem mesmo defender o sempre cidadão, é chegada a hora de ele ocupar este lugar que já foi ocupado pelo Governo e pelos profissionais de saúde.
Estou, junto com milhares de cidadãos anônimos, indignado e preocupado. As perguntas que não calam são várias. Por que razão não arejar o conselho? Não buscar a renovação? A grandeza de cidadãos conselheiros, de qualquer segmento que seja, deveria ser ajudar a crescer a cidadania em cada cidadão e no seu conjunto. Toda vez que nos julgarmos insubstituíveis, principalmente em posições de mando, de destaque, de poder, estamos assassinando um pouco do sonho de cidadania e democracia que deveria nos embalar.
Por que os profissionais de saúde podem ocupar o segmento dos cidadãos usuários? Seria verossímil que o legislador, pressionado por uma militância histórica, quisesse permitir este equívoco de defender que, por todos sermos usuários, poderíamos ocupar, nos conselhos, o lugar dos usuários? Se defendermos que os profissionais podem, estamos defendendo que também possam representar os usuários os membros do governo. O que falaríamos contra o que ocorre em várias cidades, onde o prefeito e sua turma seus ocupantes de cargos em comissão e chefias, ocupam todos os lugares dos cidadãos usuários via associação de moradores, sindicatos, associações de portadores de doenças e deficiência? O que fazer quando os prestadores de serviços, filantrópicos ou privados lucrativos, tomarem de assalto a representação dos usuários nos conselhos através de seus familiares, seus funcionários? Já vi os empresários (representação legítima entre os usuários) colocarem como seus representantes dirigentes hospitalares e de federações e confederações de prestadores de serviços de saúde. Onde acham legitimidade para que os postos dos cidadãos usuários sejam tomados de assalto por profissionais de saúde individualmente ou através de suas representações corporativas?
Estou esperando que alguém me explique qual a razão da Lei dos Conselhos (Lei 8142) ter determinado que deva existir paridade entre o segmento dos usuários em relação aos demais (governo, prestador e profissional) se estes podem, segundo os interessados, transitar livremente representando os usuários? Qual a razão da legislação exigir a paridade de um lado de cidadãos usuários com os outros três segmentos se estes podem todos migrar para usuários?
Não me canso de repetir o teor do artigo 68 da Lei 791, Código de Saúde de São Paulo: “para garantir a legitimidade de representação paritária dos usuários, é vedada a escolha de representante dos usuários que tenha vínculo, dependência econômica e comunhão de interesse com quaisquer dos representantes dos demais segmentos do conselho.”
Será que o Dep. Roberto Gouveia, médico sanitarista, do PT paulista, estaria “delirando desorientadamente”, quando propôs este entendimento deixado sacramentado neste artigo citado do Código de Saúde de São Paulo? Será que estariam igualmente errados os parlamentares da Assembléia Paulista que aprovaram a proposta do Dep. Roberto Gouveia? Errado o governador Covas quando aprovou este artigo, sem veto? Estaria errado o Ministério Público do Estado de São Paulo quando, através de sua Coordenadora de Saúde, a promotora Anna Trotta Yarid, admoestou o Conselho Estadual de Saúde de São Paulo vetando até mesmo que funcionários públicos estaduais (não apenas da área da saúde, mas de qualquer área) assumissem assento no segmento dos usuários do Conselho?

Fico me perguntando se estamos todos profissionais de saúde imbuídos do vírus do “ato profissional exclusivo” levado às últimas conseqüências. Será que no fundo estamos defendendo que o ato médico, o ato de enfermagem, de assistência social, de fisioterapia, de nutricionista etc tem que estender até a representação do usuário no conselho de saúde? Discutir saúde como usuário, na visão do usuário também será prerrogativa de nossos atos profissionais de saúde? Nós os formados e entendidos e eles os ignaros, atrasados, despreparados para assumirem seus lugares de usuários? nós preparados tendo que socorrê-los para que não se perca tudo e todos? Lamentável se estivermos chegado a este nível de baixaria argumentativa, nunca explícita, mas subliminar!!!

Faço um apelo para meus colegas profissionais. Visitem, sozinhos, o âmago de suas convicções e analisem se existe ou não outra alternativa que não a da hegemonia profissional na representação dos usuários. Nesta hora a discussão em grupo corporativo é ruim. As corporações (quaisquer que sejam: industriais, comerciais, profissionais, religiosas, políticas, criminosas (lembram-se do sindicato do Crime?) e todas as demais) são péssimas conselheiras em ética do todo, em ética do cidadão. Nossa história de ética não é das mais limpas e sempre os grupos dominantes escolhem o caminho da ética corporativa para sobrepor-se à ética coletiva. É uma postura compreensível, por ser prática humana em toda sua história, mas abominável do ponto de vista do coletivo da cidadania e do crescimento do processo civilizatório. Embora as corporações (todas) sempre utilizem-se publicamente da defesa do todo, no fundo e a cabo, o que está por trás é a defesa da parte, do grupo. Sempre sob os argumentos mais altruístas e nobres de proteção das conquistas! Este é o patrimônio de nossa prática política em todos os campos! Dá para mudar?

Minha luta solitária sei que tem sido de Davi contra Golias, mas empresto de Elisa Lucinda sua frase que fiz minha: “minha esperança é imortal, sei que não dá para mudar o começo, mas se quisermos, vamos mudar o final.”

Até dia 10: com presidente usuário do conselho nacional de saúde escolhido por todos, entre os cidadãos usuários e que este eleito não seja um profissional de saúde! Em nome e em defesa de nossa cidadania.

Que assim seja e que as corp.com me digam AMÉM!

[1] Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser divulgado independente de outra autorização. Textos do autor disponíveis no site www.idisa.org.br - Contato: carvalhogilson@uol.com.br.

Nenhum comentário:

Postar um comentário