segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Controle Social: a paridade contra a democracia.

Flavio Goulart

A participação social em saúde no Brasil constitui um processo ainda em construção, sobre o qual uma visão crítica deveria ser, não apenas acolhida, mas também promovida, ao contrário da costumeira rejeição de alguns setores, que enxergam em tudo o germe da reforma da reforma. Penso que é necessário não apenas defender o SUS, mas, ao mesmo tempo, arejar o debate sobre o mesmo, questionando verdades estabelecidas, principalmente aquelas previsíveis e repetidas sem crítica. É dentro de tais pressupostos que explicito algumas considerações visando ao aprofundamento conceitual e, quiçá, o aprimoramento legal do conceito de paridade na participação social em saúde no Brasil, conforme disposto na Lei 8.142 (1990).

Examinando, como fizemos em trabalho anterior (Goulart, 2007), o conjunto dos conselhos de políticas sociais, dois aspectos saltam aos olhos. Primeiro, que paridade não chega a ser uma constante, podendo até mesmo ser deslocada em favor do pólo social, como acontece no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CNDES); segundo, ela não é, em nenhum caso, salvo o da saúde, auto-regulada.

A possível igualdade entre pares, registrada nos dicionários, é apenas apontada de forma genérica na lei 8.142, onde se fala de um órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, além da representação dos usuários paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos, não estabelecendo quotas para outros segmentos além dos usuários. Ressalte-se de passagem, por inusitada, definição recente do CNS no sentido de que gestores e prestadores devam dividir e se acomodar na mesma parcela de vagas, semelhante à parcela individual destinada aos trabalhadores e aos profissionais. Isso é algo sem dúvida surpreendente. Rejeição pura e simples à presença do Estado ou do governo nos conselhos? Luta ideológica que perdura sem evoluir para o estatuto de movimento social? Disputa sindical extemporânea?

Quando o mesmo princípio da paridade se aplica tanto a conselhos como a conferências, uma outra contradição se instala, pois existe uma grande distância entre uma coisa e outra, o bastante para que não se aplicasse o mesmo princípio de paridade nas duas situações. Com efeito, nada mais democrático do que a paridade dos usuários frente aos demais segmentos nos conselhos, o que potencialmente pode garantir uma dinâmica de checks & balances necessários para que o Estado ou as corporações não sobrepujem a parte mais fraca, o povo. Já as conferências têm outro significado. Elas constituem grandes eventos cívicos, verdadeiras tempestades de opiniões, nos quais a presença robusta e diversificada dos segmentos sociais é, mais do que necessária, desejável. Nas conferências, a vigência da paridade acarreta simplesmente a ampliação artificial, hipertrofiada e, sobretudo, antidemocrática das bancadas de gestores, de prestadores, de trabalhadores para que sejam alcançados os 50% lado respectivo, de forma a gerar um equilíbrio supostamente paritário de forças.

As conferências temáticas (Ciência e Tecnologia, Assistência Farmacêutica, Recursos Humanos e tantas outras) que consumiram as energias dos militantes do SUS nos últimos anos, usam o abusam do princípio da paridade. Nelas, a utilização pouco crítica do tal conceito de paridade tem provocado estragos, ao se conceder que decisões técnicas e dependentes de conhecimento especializado pudessem acontecer em clima de assembleísmo e suposto poder deliberativo e, por conseqüência, radicalização ideológica, com inegável triunfo do achismo.

Como se vê, a paridade também pode vir a conspirar contra a democracia…
Referências:

Brasil. Lei 8.142, 28/12/1990. Acesso 29/11/2009 em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8142.htm
Goulart, F. Poder deliberativo, paridade, autonomia: Dilemas da participação social em saúde no Brasil. Acesso em 29/11/2009 em http://www.idisa.org.br/site/download/DILEMASDAPARTICIPACAOSOCIAL.pdf

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