sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Eleições do Conselho Nacional de Saúde: a posição do CEBES

VERSÃO FACTUAL E ANÁLISE CIRCUNSTANCIAL SOBRE A 216ª REUNIÃO PLENÁRIA DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE

Na ocasião, foi estabelecido impasse e posto em suspensão o processo eleitoral de renovação da mesa diretora.


Alcides S. de Miranda

Preâmbulo de contextualização

Como dever de ofício, na condição de representante do CEBES como Conselheiro Titular no Conselho Nacional de Saúde (CNS), reporto agora minha versão factual e análise circunstancial sobre os eventos ocorridos por ocasião das últimas reuniões Plenárias (216ª, ordinária de 08 a 09/12 e extraordinária em 10/12), que tinham como item de pauta a instalação de Comissão e realização de processo eleitoral para a renovação da respectiva Mesa Diretora desta instância colegiada.

Como contextualização precedente, convém esclarecer que o mesmo trâmite e processo eleitoral já ocorreram anteriormente no CNS. Desde 2006, ficou estabelecido e formalizado em Decreto Presidencial e, posteriormente, em Regimento Interno do CNS, que o mandado das representações é de 3 anos e da Mesa Diretora de 1 ano (podendo haver uma recondução).

A lei que regulamenta esta instância colegiada é a 8.142 (de 28/12/1990), complementar ao texto constitucional, que estabelece em seu artigo 5°: “É o Ministério da Saúde, mediante portaria do Ministro de Estado, autorizado a estabelecer condições para aplicação desta lei”. Ou seja, todos os detalhamentos e especificações acerca da aplicação da referida lei e, portanto, do funcionamento das instâncias colegiadas criadas a partir da mesma.

Em Informativo Interativo Eletrônico do CNS aos Conselhos de Saúde (n° 18, Junho de 2006), o referido Decreto Presidencial (que dispõe sobre a organização, as atribuições e o processo eleitoral do CNS) está noticiado nos seguintes termos:

“Respeitando as decisões das últimas conferências nacionais de saúde, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou que a presidência do Pleno será exercida por um conselheiro eleito dentre os titulares. Isso significa que o presidente do CNS poderá ser representante de qualquer um dos segmentos que compõem o Conselho Nacional. Assim como a eleição das entidades e movimentos, o processo de escolha do presidente também está estabelecido no decreto 5.839, de 11 de julho de 2006.

A eleição do presidente do CNS será realizada em votação secreta, na mesma reunião de posse dos novos conselheiros nacionais¹. Somente poderão votar os membros titulares.

O presidente eleito cumprirá mandato de um ano¹. Após esse período, serão convocadas eleições internas para a renovação da presidência do Pleno. Já o mandato dos conselheiros nacionais de saúde ficou definido em três anos. Isso significa que os conselheiros que assumirem este ano permanecem como membros do Conselho Nacional de Saúde até 2009. Após esse período, será permitida apenas uma recondução sucessiva tanto para os representantes titulares quanto para os suplentes.

É exatamente sobre tal Decreto Presidencial, ou sobre o impasse gerado a partir de seu questionamento e possíveis interpretações (por ocasião da última reunião Plenária do CNS), que se desenrola o enredo sobre o qual descrevo minhas considerações.

É importante denotar que, embora se trate de análise acerca de eventual aplicabilidade de termos legais, o teor da legislação pertinente (Lei 8.142) não está posto em questão. Antes, trata-se da interpretação sobre a (in)compatibilidade entre alguns termos de um Regimento Interno (do CNS) e do Decreto Presidencial, de cunho mais administrativo2, que o regulamenta e que trata primordialmente sobre a sua integração à estrutura administrativa do Ministério da Saúde. Em termos normativos, este mesmo Decreto Presidencial estabelece em seu artigo 11° que: “A organização e o funcionamento do CNS serão disciplinados em regimento interno, aprovado pelo plenário e homologado pelo Ministro de Estado da Saúde”.

Entretanto, a tese substancial defendida neste texto é a de que a questão em foco não pode e nem deve ser reduzida às suas versões ou interpretações jurídico-normativas; mas deve ser compreendida, analisada e encaminhada a partir de perspectiva política, considerando pretensões e preceitos mais apropriados às instâncias da esfera pública, de Controle Social, que operam sob a égide republicana e a tensão por mais democracia participativa.

Versão factual

No início da última reunião Plenária do CNS (08/12/2010), durante o primeiro ponto de pauta, um Conselheiro representante do Governo Federal (Ministério da Educação) levantou um questionamento acerca da pertinência de instalação daquele processo eleitoral para a Mesa Diretora do CNS. Ele alegou que, embora o Regimento Interno do CNS estabeleça eleições anuais para a Mesa Diretora (algumas já ocorridas com tal periodicidade), o Decreto Presidencial de o instituiu define que a Mesa Diretora deve ser empossada na mesma Plenária de eleição dos Conselheiros, ou seja, a cada três anos. Instalado o impasse, houve a interrogação e questionamento, da parte da representação de Usuários, sobre o porquê desta interpretação e manifestação não ter sido externada anteriormente (por exemplo, na eleição anterior, que estipulou o prazo de 1 ano de mandato para a atual Mesa Diretora).

Neste momento houve muita tensão e manifestações contidas da parte de vários Conselheiros, que, ora manifestaram a necessidade de preponderância de manejo político da situação, ora reiteraram a necessidade observância de cautela perante o impasse acerca da interpretação e manejo do caso.

A posição inicial manifestada pela representação de governo foi a de que, enquanto não fosse dirimida a dúvida acerca da validade de uma eleição anual, o mandato da atual Mesa Diretora deveria ser mantido, com recomendação de consulta ao órgão do Ministério da Saúde responsável pela consultoria jurídica (vinculada à AGU). Optou-se inicialmente por convidar um especialista do MS (consultoria jurídica) para emitir uma opinião informal e inicial sobre o assunto. No início da tarde de 08/12, compareceu um advogado desta consultoria, que manifestou informalmente uma interpretação de que havia incompatibilidade entre o Regimento Interno do CNS e referido Decreto Presidencial.

Após o posicionamento da consultoria jurídica do MS, eu expus na Plenária o apelo por uma atitude, que defini como de dignidade política, no sentido em que todos os membros da atual Mesa Diretora renunciassem ao seu mandado. Do meu ponto de vista, tal renúncia resolveria imediatamente o impasse jurisconsulto e abriria a possibilidade tanto de efetivação do processo eleitoral, como para o posterior ajuste entre os termos do Regimento Interno e Decreto Presidencial correlatos ao CNS. Na representação dos Usuários tal proposição foi considerada como viável e necessária, entretanto, nas outras representações foi majoritariamente considerada como ingênua, impraticável e atinente ao foro íntimo e individual de cada membro da atual Mesa Diretora. O segmento de Usuários, em reunião específica, chegou a definir a renúncia voluntária de seus representantes na Mesa Diretora, como modo de superar o impasse criado. Entretanto, as outras representações não concordaram com tal indicativo.

Nos dias 08 e 09/12 ocorreram várias reuniões colaterais, de e entre os segmentos de representação no CNS, visando construir uma saída consensual para lidar com o referido impasse. Ao final do dia 09/12 os indícios apontavam para um acordo entre as representações, a partir de uma proposta de adiamento do processo eleitoral para Março de 2011, instituição de uma Comissão Eleitoral (paritária e coordenada por um representante do segmento de Usuários) com a tarefa de dirimir a dúvida regimental e efetuar eventuais ajustes, considerados pertinentes e necessários. Entretanto, a representação de governo reiterou que não aceitaria qualquer encaminhamento em que estivesse estabelecido previamente algum prazo para o mandato da atual Mesa Diretora ou para o processo eleitoral.

No dia 10/12, após novas reuniões de e entre segmentos de representação, a Plenária Extraordinária foi iniciada sem acordo preestabelecido entre as partes. Após exaustivas e tensas discussões na Plenária, considerada a posição a posição rígida do governo (não admissão de prazo para o mandato atual da Mesa Diretora e para eleição), prevaleceu um indicativo, amparado por acordo político e votação consensual:

1- Avaliação do desempenho da atual Mesa Diretora (conforme previsto no Regimento Interno do CNS), definida para a Plenária de Janeiro;
2- Instalação de Comissão Paritária entre as representações de segmentos, para análise e encaminhamento de consultorias formais acerca do impasse, como também, de tratativas posteriores, visando viabilizar o processo eleitoral;
3- “Prorrogação” do mandato da atual Mesa Diretora, pelo menos, até Março de 2011, prazo previsto para o trabalho da Comissão (item 2)

Análise circunstancial

De acordo com minha impressão, cálculo político e previsão (preliminares ao momento da referida reunião), considerado todo o período de funcionamento do CNS, esta era a primeira vez em que a representação de Usuários tinha melhores e reais condições de ocupar a Presidência do CNS, a partir de uma disputa eleitoral na Mesa Diretora. Desta vez, embora com uma disputa interna prévia, o segmento apresentou candidatura única e um maior grau de coesão (não de unanimidade), contando inclusive com o apoio velado ou explícito de representações de outros segmentos. Tal apontamento inicial não sustenta nenhuma insinuação adjetiva plausível; serve tão somente para denotação de variável significativa no contexto em questão.

Mesmo admitida uma eventual pertinência da dúvida regimental, introjetada e transmutada em impasse, é de se estranhar a sua expressão extemporânea e a postura normativa rígida adotada pela representação de governo. É certo que, principalmente, tal representação deva se acautelar acerca de encaminhamentos futuros que possam ser considerados como inadequados ou irregulares do ponto de vista jurídico-normativo; entretanto, em outras ocasiões durante a mesma reunião Plenária, quando se tentou encaminhar tratativas de convergência e encaminhamentos políticos consensuais para se lidar com o referido impasse (p. ex. a proposição de prorrogação curta do mandato da atual Mesa Diretora), a mesma representação alegou que o Regimento Interno do CNS não o permitia. Em outros termos, para efeito de encaminhamento do processo eleitoral previsto o Regime Interno era contestado, para efeito de outros encaminhamentos correlatos, era usado como anteparo para interditar as alternativas apresentadas. Em suma, a representação governamental gerou o impasse jurisconsulto e se aferrou ao mesmo para fazer prevalecer a interdição tanto do processo eleitoral como das tratativas políticas para a sua superação.

Existe um discurso normativo, que intenta fundamentar a pretensão regulatória sobre as ações em curso. Quando validado, tal discurso põe em suspensão todas as expectativas, até que suas afirmações problematizadas sejam confirmadas, legitimadas ou refutadas.

Mas existe também um discurso prático, que busca comprovar tais proferimentos regulativos, em razão de sua aplicabilidade no mundo real, nas relações cotidianas. Tal discurso prático conduz a uma validação consensual, a um compartilhamento da norma problematizada, produzindo então uma norma consensuada e legitimada (o que é mais da natureza de uma instância de democracia participativa).

Quando o discurso normativo tem como função obstruir, interditar a abertura dos discursos práticos, em verdade impede a tematização sobre os fundamentos do poder e margens de autonomia política. Algumas normas institucionais, por exemplo, podem ser objeto de pseudo-legitimação quando cumprem a dupla função de impedir que elas próprias e seus propósitos, sejam tematizados discursivamente. Neste caso, o intento é substituir a discussão política por discursos normativos e comportamentos regrados. Daí, se os fundamentos sobre o poder não podem ser tematizados, não é porque repousam sobre a normatividade legítima, mas porque a lógica das regras passa a ser preponderante.

Por sua vez e em princípio, o segmento dos profissionais de Saúde, capitaneado pelo FENTAS (Fórum das Entidades Nacionais dos Trabalhadores da Área da Saúde, que tem ocupado nos últimos anos a Presidência do CNS), deliberou majoritariamente por um encaminhamento convergente com aquele da representação de Usuários, visando o adiamento e realização da eleição em Março/2011, a instituição de uma comissão paritária para lidar com o impasse etc. Em seguida, convergiu (também de forma majoritária) para a posição imposta pela representação de governo, ou seja, deixar indefinida a possibilidade de prazo ou condições para a realização do processo eleitoral.

Como representante do CEBES, em razão de seu vínculo segmentar no âmbito do CNS, participo do FENTAS. Por ocasião desta última reunião, também pude participar de todas as discussões acerca das tratativas sobre o referido impasse. Neste transcurso reiterei a proposição de uma iniciativa de renúncia voluntária da Mesa Diretora, como forma de superação do impasse jurisconsulto, garantia do processo eleitoral e encaminhamentos de futuros ajustes regimentais. Fui voto vencido (modo de dizer, porque nem chegou a haver votação sobre tal proposta).

Pareceu-me óbvio que a (dis)posição da maioria dos representantes que compõem o FENTAS é de manter ou renovar o cargo do atual Presidente do CNS³. Também claro está, que tal (dis)posição ampara-se em análise política e conjuntural acerca do que seria mais apropriado e conveniente para a defesa do legado e capital político acumulado nos últimos anos, além do protagonismo na definição da agenda e na condução política do CNS. Se tal (dis)posição de manutenção ou recondução do atual Presidente é legítima e louvável, na perspectiva da disputa democrática aberta, o seu amparo em filigranas regimentais ou impasses oportunos pode e deve ser questionado.

Alguns dos representantes vinculados ao FENTAS buscaram e continuam buscando uma superação da atual indefinição e de incompreensões mútuas entre os segmentos e representações no âmbito do CNS, tendo em vista a necessária e oportuna eleição e renovação da Mesa Diretora. Compreendem que, muito mais do que a disputa em questão, importa encontrar alternativas que evitem futuras desagregações, eventuais máculas e exemplos desaconselháveis ao conjunto de instâncias que conformam o chamado Controle Social. É de se esperar que esses representantes intentem externar, de forma transparente, ponderações e esforços em busca de mediações políticas necessárias para a salvaguarda das prerrogativas plurais e vocação pública do CNS.

Retornando à questão premente, uma coisa é certa: até a véspera desta última reunião Plenária, fato corroborado inclusive em publicações do próprio CNS, todos pareciam concordar que o mandato da atual Mesa Diretora deveria terminar agora em Dezembro. Apesar do tal impasse jurisconsulto, a conotação mais aparente sob a perspectiva política é a de quebra das regras acordadas durante o jogo, às vésperas de uma decisão.

A cronificação do impasse jurisconsulto e o impreciso adiamento da eleição da Mesa Diretora do CNS, independente da interpretação acerca dos eventuais e melhores modos de encaminhamento, transferiu o processo não somente para o ano vindouro, mas também para outra conjuntura, na qual, provavelmente haverá outra correlação de forças em disputa.

De todo o modo e mesmo assim, deve-se garantir aquilo que é da natureza e da tensão por democracia participativa na esfera pública (mesmo quando engendrada sob os moldes e entraves institucionais da democracia representativa): a preponderância da mediação política, o exercício da alteridade, o respeito às pretensões de alternância e pluralidade. Nestes termos, as eleições devem ocorrer o mais rápido possível, como imperativo ético-político e como lição de observância e respeito aos preceitos democráticos que geram e mantém as relações de confiança no âmbito do CNS.

Nesta circunstancia relatada, muitos Conselheiros queixaram-se, inclusive em público, das dificuldades encontradas para a negociação e construção de acordos entre os segmentos do CNS. Atribuíram ao momento, ênfase na reiteração de miudezas e motivações particulares, disfarçadas sob discursos normativos ou democráticos. Creio não poder antecipar e nem emitir juízo de valor sobre os graus de justeza ou pertinência em tal queixa, prefiro lembrar que não se trata de miudeza a lide com os (des)caminhos da democracia participativa em espaços da esfera pública. Trata-se de questão de princípio e de grande responsabilidade civil, que não pode ser tergiversada, mesmo em razão de conveniências conjunturais, inconfessáveis interdições ou exacerbada rigidez normativa.

Espero sinceramente, que prevaleça o compromisso ético, político, pedagógico e solidário pela garantia de confiança e compromissos mútuos, constituídos entre representações e representantes empenhados na construção das políticas públicas de Saúde. Reitero ainda, o apelo pela iniciativa e atitude política mais digna de renúncia voluntária dos membros da atual Mesa Diretora, o que, se realizado oportunamente, superaria o atual impasse e abriria a possibilidade de nova eleição e recomposição no âmbito do CNS.



Alcides S. de Miranda é Conselheiro Titular no CNS, na representação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)


¹ Grifos meus. ² Embora referenciado em artigos de Decreto-Lei (n° 200) e de lei (n° 8.028).

³ Em semana anterior ao da referida reunião, representantes do FENTAS chegaram a propor um acordo para alguns representantes do segmento de Usuários, descartado pelos mesmos, de reconduzir a atual Mesa Diretora e, na eleição seguinte, apoiar uma candidatura de Usuário para a Presidência do CNS.


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