sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Mais recursos.

José Gomes Temporão*

O SUS necessita, sim, de um aprimoramento da gestão. Mas não há gestão que resolva por si só o déficit do sistema.

Muitas foram as conquistas nestes mais de 20 anos de criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Saímos de uma estrutura que atendia apenas 30 milhões de filiados à Previdência Social para outra, de recorte universal, que atende 190 milhões de brasileiros. Mas é inegável que ainda háuma série de acertos e ajustes a serem feitos, e o Ministério da Saúde está atento a isso.
Uma das discussões em aberto é o financiamento do SUS, ou melhor, seu subfinanciamento. A tese de que "a saúde não precisa de mais recursos, precisa de mais gestão" não se sustenta em dados reais. O SUS necessita, sim, de um aprimoramento da gestão.
O ministério tem adotado medidas neste sentido, como a parceria com hospitais privados de excelência que permite a transferência de tecnologia de gestão e a qualificação de profissionais da rede hospitalar federal. Só no ano passado, por meio de negociação com fornecedores e ajustes internos, reduzimos os gastos em R$ 400 milhões.
Além disso, os órgãos vinculados ao Ministério da Saúde firmaram uma contratualização de metas e resultados.
Mas não há gestão que resolva por si só o déficit do sistema. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) , os planos de saúde privados, que não rasgam dinheiro, gastam, emmédia, R$ 1. 428 com cada associado por ano. A rede pública, apesar de oferecer uma gama muito maior de serviços(transplantes, vacinação, medicamentos de alto custo), tem gasto médio per capita de R$ 675. O valor corresponde a R$ 1, 56 por dia. Ou seja, a cada dia, não temos sequer o equivalente a uma passagem de ônibus por pessoa para fazer saúde no Brasil. O IBGE aponta que são as próprias famílias que mais aplicam recursos para ter acesso aos serviços de saúde. Da despesa de consumo final com bens e serviços de saúde no país, 62% são gastos particulares e 38% do poder público.
E a situação vem se deteriorando.
Em 1995, segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil estava na 61ª posição em recursos aplicados para cada cidadão. Em 2006, havia caído para a 78ª colocação.
O Brasil está atrás de países como Andorra, Catar, Costa Rica, Panamá, Argentina, Chile, México, Uruguai, Chipre e África do Sul. O SUS abrange 100% da população, mas atende 80% como única forma de acesso à saúde. Para isso, consome 3,5% do PIB, enquanto os demais países com sistemas de saúde universais dedicam, pelo menos, 6% do PIB.
Os EUA gastam 17% do PIB com saúde e, apesar disso, 50 milhões de americanos não têm garantia de atendimento.
O presidente Barack Obama defende a aplicação de recursos da ordem de US$ 1 trilhão para mudar essa realidade. Enquanto isso, o Brasil, que já tem um sistema universal, observa candidamente o subfinanciamento levar o SUS à asfixia, com uma lenta e inexorável degradação de seus serviços.
Por isso, sempre defendi a regulamentação da emenda constitucional 29, que obriga os estados a cumprirem os 12% de aplicação de recursos em saúde pública e os municípios, 15%. A ausência de regulamentação do texto no Congresso acaba por permitir a inclusão de despesas que não são ações e serviços de saúde. Esta medida trará cerca de R$ 5 bilhões para o sistema. A regulamentação também estabelece um novo patamar de financiamento à União que, no conjunto dos gastos públicos, vem progressiva e proporcionalmente reduzindo a sua participação.
A questão é que a União, estados e municípios não podem aumentar suas despesas sem ampliar as receitas. Por isso, o Congresso incluiu, dentro da regulamentação da emenda 29, a criação da CSS (Contribuição Social para Saúde) .
O tributo tem uma taxação baixa, de 0,1% sobre todas as movimentações financeiras. Só quem recebe acima de R$ 3. 200 recolherá a contribuição - 70 milhões de pessoas estão isentas, incluindo os aposentados. Acima deste piso, haverá uma contribuição de apenas R$ 1 para cada R$ 1.000. Para a saúde, trata-se de um montante de R$ 11,5 bilhões. É um valor que será obrigatoriamente acrescido aos gastos do setor e dividido entre União (50%) , estados (25%) e municípios (25%) . Muitos são os críticos à criação do tributo, mas esses críticos não apresentam uma alternativa.
O Ministério da Saúde está aberto à discussão de outras formas de financiamento.
Mas não pode aceitar que continue a ter voz o discurso fácil de que "a saúde não precisa de mais dinheiro e sim de mais gestão". O aprimoramento da gestão é crucial. Mas precisamos de mais recursos, sim.

*José Gomes Temporão é ministro da Saúde.

(Fonte: O Globo, 30/09/2009)

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